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O sítio onde se comemoram 20 bebés

Na região mais desertificada, mais envelhecida e com menor número de nascimentos do país, é cada vez mais escassa a banda sonora de risadas e choros que encontrámos em Casal de Cambra, na casa de Pedro e Sandra. Quando a maternidade de Portalegre percebeu que, em 2013, tinha sido a única a aumentar o número de nascimentos em todo o Alentejo (passou de 560 para 580), 20 bebés foram motivo de festa.

Carina Teodoro, de 27 anos, natural de Campo Maior, deu este ano o seu contributo para a regeneração demográfica que parece miragem para a população alentejana. Acabava de ser mãe da Maria Miguel quando a encontrámos num dos quartos da maternidade.

"Se estamos sempre a pensar na crise não fazemos nada"

Maria Miguel veio antes do tempo, mas depois "não queria descer". Ainda fez a mãe passar "um momento difícil", que culminou numa cesariana, 32 horas depois de as águas terem rebentado. Desde que respirou pela primeira vez, mergulhou num sossego constante. Quase não chora e a mãe gostaria de acreditar que se recusa a abrir os olhos enquanto não puder ter a família completa no campo de visão. O pai é camionista e "estava a trabalhar, ao pé do Luxemburgo, quando ela decidiu nascer".

Durante a gravidez, Carina foi uma das beneficiárias do serviço de proximidade garantido pela maternidade de Portalegre, o que evitou que tivesse de percorrer quase 50 km para monitorizar a evolução da bebé. Uma equipa de enfermeiros desloca-se duas vezes por semana aos 16 centros de saúde do distrito, para assegurar os cursos de preparação para o parto e acompanhar as grávidas de perto.

A "Maternidade Mais Próxima da Comunidade" nasceu em Outubro de 2011. A enfermeira responsável pelo projecto, Manuela Tavares, não sabe dizer se o serviço poderá levar ao tão desejado aumento da natalidade na região, mas está convencida de que, num deserto de incentivos, quanto menos obstáculos melhor.

Contrariar a incerteza

Saindo do quarto de Carina Teodoro, os corredores estão vazios e não se ouve um choro. Fechando os olhos, ninguém diria que estamos numa maternidade. Mas se os abrirmos na divisão onde repousa Joana Tomé, uma enorme barriga apaga as dúvidas.

Idade média da mulher ao primeiro nascimento

ver gráfico

Natural de Castelo Branco, Joana tem 29 anos, é enfermeira, vive e trabalha em Elvas há cinco anos e está quase a ser mãe da Matilde. "Estamos no final das 41 semanas, mas ela insiste em ficar na mãe". Podia acontecer a qualquer momento e "por uma questão de precaução" já estava internada na maternidade de Portalegre.

Entre as suas amigas mais próximas, Joana é das primeiras a ser mãe. "E já tenho 29", sublinha. À sua volta, vê muitos a adiar a paternidade, "porque não estão a trabalhar ou porque não têm um emprego minimamente estável." As suas circunstâncias permitiram avançar agora.

"O tempo passa para tudo e para mim também"

Trabalha há sete anos. Na altura em que acabou o curso "era impensável não haver emprego para os enfermeiros". A situação alterou-se desde então e tem vários colegas que "não trabalham ainda na área, sequer". Outros até o podem fazer, "mas não a tempo total ou com as condições ideais e isso é lógico que depois condiciona o resto".

Joana tem uma situação mais estável, mas a crise retirou-lhe capacidade de fazer "um pé-de-meia". Sofreu cortes no rendimento na ordem dos "300 euros ou mais" por mês. "Eu sou funcionária pública para algumas coisas e para outras não. Tenho um contrato de trabalho numa EPE [Entidade Pública Empresarial]. Não tenho direito a tudo o que um funcionário público tem - por exemplo, a ADSE -, mas tenho todos os cortes que um funcionário público tem, a nível de subsídios e tudo o mais".

Joana e o marido não alteraram o estilo de vida. "Não posso dizer que antes ia de férias ou ia jantar e agora não vou. Vou da mesma maneira, porque eu sempre o fiz da maneira que achava que podia". A diferença é que "sobra muito menos" e os exemplos com que se cruza provam-lhe que "quem estava habituado a levar uma vida à conta, agora não consegue".

Não teve incentivos à natalidade e, sendo o rendimento anual do agregado familiar superior a 8.803,63 euros, não terá direito a abono de família. "Não estive à espera de nenhum subsídio de maternidade, de apoios, do que quer que seja. Foi contar com aquilo que se tem e fazer à medida das nossas condições".

Joana recusa-se a ficar à espera de apoios. Outros nunca conheceram condição diferente.