Lamentamos, mas o seu browser não suporta a tecnologia usada nesta página

Para uma melhor experiência de leitura, recomendamos a utilização

Internet Explorer 9 Google Chrome Mozila Firefox Safari

Para uma melhor experiência de leitura, recomendamos ecrãs iguais ou superiores a 7".

A prova dos nove

É preciso percorrer quase 330 km para chegar da casa de Alberto e Sofia Magalhães, em Valongo, à de Pedro e Sandra Portugal, em Casal de Cambra, concelho de Sintra. É ainda maior a distância que os separa na forma como encaram a vinda dos filhos.

Pedro e Sandra estão casados há 11 anos e meio. Marta está quase a nascer e tem seis irmãos à sua espera. A família Portugal segue em contraciclo com o país.

"Recebemos os filhos como um dom"

Não planeavam uma família grande. "Para nós nunca foi um sonho. Foi algo que nos foi acontecendo, foi amadurecendo", conta Sandra, com uma barriga que evidencia mais de oito meses de gravidez e com os outros seis filhos a pular à volta do sofá familiar.

Como não sabiam "para que lado é que a história iria", explica Pedro, compraram uma casa que não os limitasse, que pudesse se adaptada às necessidades futuras. À medida que foram crescendo, foram fazendo obras, criando mais quartos, derrubando paredes da cozinha quando já não havia espaço para comerem todos juntos.

A maior adaptação aconteceu quando Sandra desistiu de trabalhar para se dedicar a tempo inteiro às crianças e à casa. Formada em Gestão, trabalhava como analista financeira e contabilista, "profissões que consomem muito tempo". Tinham três filhos quando um episódio lhe ficou gravado como uma epifania.

Um dia teve de ficar a trabalhar até às 23h e o filho mais novo foi obrigado a dormir na casa da ama. Percebeu que o episódio iria repetir-se muito mais vezes. "Para mim, foi um ponto de viragem, porque ou nós temos esta opção de querermos ter uma família, ou então não vale a pena embarcar nesta aventura".

"Constituir uma família implica viver para a família"

Procurou um emprego "menos exigente", mas, "mesmo assim, as coisas complicaram-se". Quando, em 2009, ficou desempregada, achou que tinha ali a oportunidade de tomar uma decisão que andava a adiar.

O ordenado de Pedro como fisioterapeuta garante-lhe entre 1200 e 1300 euros limpos, por mês. Quando faz apoio domiciliário, consegue esticar os rendimentos mais um pouco, até aos 1600 euros, mas "é muito oscilante". Com a alteração dos escalões de IRS e a sobretaxa mensal de 3,5%, o único salário que entra em casa ficou ainda mais pequeno.

Pedro não sabe dizer exactamente quanto perdeu. "Não costumo fazer contas", confessa. Há uns tempos, um colega enviou-lhe um simulador "muito organizadinho", para perceber como geria o orçamento mensal. A meio do exercício já estava "a gastar bem mais do que aquilo que ganhava". Fechou o ficheiro e decidiu continuar a "confiar que as coisas vão resultando", como tem acontecido nos últimos 11 anos.

Não é irresponsabilidade, acredita Pedro. É auto-defesa. "Penso que, se a esmagadora maioria da população for fazer contas, e se for esse o critério para constituir uma família, então ninguém vai constituir família neste país. Não vale a pena".

Um filho é uma pessoa inteira

Quando vêem ressurgir o debate em torno dos incentivos à natalidade, não conseguem evitar um sorriso irónico. "Isto discute-se anos e anos a fio, mas ninguém toma atitude nenhuma". Pedro identifica muitas "situações ridículas" que funcionam em sentido contrário.

Na lista de críticas da família Portugal constam as deduções permitidas para despesas com educação e saúde, que consideram "muito limitadas", e o facto de, em vários domínios fiscais, não se contabilizar "cada filho como uma pessoa inteira". Defendem que, na hora de pagar o IRS, por exemplo, o rendimento da família deveria ser avaliado em função do número de pessoas que vivem numa casa.

Os gastos com educação são elevados e a tendência é para seguirem o ritmo de crescimento das crianças. "Neste momento, a Madalena está no 5º ano, o Miguel está no 3º, o Moisés está no 2º ano, temos o Mateus que está no jardim infantil e a Margarida e o Matias ficam, para já, em casa com a mãe". Pedro apanhou "um choque" com os 150 euros que teve de pagar pelos livros da Madalena e está a mentalizar-se para os seguintes.

Não sobra margem para inscreverem os filhos em actividades extra-curriculares, mas Sandra acredita que serem pais presentes é mais relevante. "Se calhar, também gostaríamos que os nossos filhos, em termos de formação, pudessem ter o piano, o francês, a natação, o karaté, etc., mas de facto isso não é o mais importante".

Orçamento à justa

Para conseguirem que o orçamento dure até ao fim de cada mês, os membros da família Portugal fazem vida caseira, evitam restaurantes e quase nunca vão ao cinema. Férias, só na casa que os avós maternos têm em Vila de Rei, no distrito de Castelo Branco.

As prendas de Natal são feitas em casa, as de aniversário são comunitárias - "um jogo ou alguma coisa que dê para todos" -, as roupas passam de uns para os outros e vão trocando as que já não servem entre amigos.

De contas fixas, só em mercearia, fraldas, peixe e carne "vão todos os meses entre 400 e 600 euros", assegura Sandra. Pedro graceja: é uma forma de conquistar a simpatia da vizinhança. "O senhor do talho há-de gostar muito de mim, porque de cada vez que eu lá vou deixo um volume significativo".

Somam-se o seguro da carrinha de nove lugares e da mota que Pedro usa para ir para o trabalho, a prestação do empréstimo da casa, água e "um valor grandinho" de electricidade, que ronda "para aí uns 100 euros por mês". Até agora, têm conseguido ter as contas em dia. "Obviamente que não tenho pé-de-meia", admite Pedro. "Vivo o dia-a-dia. E vivo tranquilo".

Contam com a ajuda da família, imprescindível numa altura em que Sandra tem de estar em repouso absoluto. Pedro dá "graças a Deus" por ter "uma sogra disponível, uns pais disponíveis, que vão buscar as crianças" e que dão uma mão em casa enquanto vai trabalhar.

Em várias tarefas, os filhos mais crescidos também "fazem a sua parte" e vão aprendendo a ter responsabilidade. A lição mais difícil, aparentemente, é o complexo verbo "partilhar".

"Às vezes é difícil viver com tantos irmãos"

Neutralizar a angústia

Sandra e Pedro raramente vêem notícias na televisão, até porque o ecrã lá de casa está "dominado quase 24h por dia por bonecos". Procuram manter-se informados pela internet. Acompanham as notícias sobre a crise, mas garantem que não se deixam angustiar.

"O que me angustia", afirma Pedro sem hesitações, "é saber como é que eles vão crescer, com quem é que se vão relacionar, o que é que vão fazer da vida deles, enquanto pessoas, se vão crescer atentos aos outros, aos irmãos". As outras são preocupações menores. "Se vamos ter dinheiro amanhã, se vamos conseguir pagar a casa, se eles vão conseguir tirar um curso, é algo que não pertence a mim".

De tanto ouvir perguntar o que vão fazer quando os filhos forem para a faculdade, Pedro tem resposta pronta: "Não sei, não faço ideia. Não sei se eles vão para a faculdade. A verdade é que temos montes de licenciados que não têm trabalho e que estão em caixas de supermercado a ganhar quase o ordenado mínimo".

Preocupações que estão também distantes para os filhos. Só Miguel sabe, com a certeza possível aos nove anos, que quer ser bombeiro, para "apagar fogos e conduzir camiões". Mateus, de quatro anos, assegura que será polícia e que terá "uma pistola".

A família Portugal evita pensar no que a possa paralisar. Pedro diz que, quando começa "a estar realmente aflito", tem estratégias de recuperação da esperança. "É só uma questão de olhar para trás e ver o que é que tem sido feito na minha vida, o que é que Deus tem feito na minha vida e o que é que me tem dado todos os dias e não há razão para dúvidas. Fico tranquilo".