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Onde fica a Europa?

O assunto está por toda a parte. Da conversa na mesa do lado num qualquer restaurante aos programas da Rádio24 onde, no meio de discussões sobre futebol, irrompem chamadas exaltadas que questionam o dinheiro gasto com os migrantes. Um argumento que tem provocado intensa discussão em Itália, numa altura em que o país está em recessão técnica pela terceira vez desde o início da crise financeira mundial.

A operação Mare Nostrum completou agora um ano com uma factura de cerca de 108 milhões de euros. Quanto ao acolhimento dos migrantes, os gastos são mais difíceis de medir com precisão. Tendo presente que o MAI registava 61.536 migrantes inseridos nas estruturas em Setembro, e tendo em conta que cada um custa uma média de 30 euros por dia, ao fim do mês a conta total ultrapassa os 55 milhões de euros. Por ano, são mais de 650 milhões de euros gastos no sistema de acolhimento aos migrantes.

Itália não suporta sozinha os gastos com o acolhimento. A 3 de Outubro de 2014, um ano volvido sobre a morte de 366 migrantes ao largo de Lampedusa, a comissária para os Assuntos Internos da Comissão Europeia, Cecilia Malmström, declarou que, depois da tragédia, “foram mobilizados fundos de uma extensão sem precedentes” para ajudar a Itália a lidar com a emergência.

Bruxelas disponibilizou “um pacote de 30 milhões de euros em 2013”. Esta verba faz do país o “maior beneficiário dos fundos adicionais de emergência” entre 2007 e 2013: uma atribuição de base de 478,7 milhões .

Para o período 2014-2020, a Itália pode contar com “pelo menos” 466 milhões.

Números que alimentam os argumentos anti-imigração usados até à exaustão pela extrema-direita italiana. O líder da Liga Norte, Matteo Salvini, defende a criminalização da entrada ilegal no país e afirma que os migrantes “recebem comida e alojamento que os italianos não recebem”.

Também Maurizio Gasparri, vice-presidente do Senado italiano e membro do partido Forza Italia, classificou o fenómeno da imigração como uma “invasão de milhares de clandestinos” e defendeu que a única forma de pressionar a União Europeia (EU) a intervir mais é cancelando a missão de busca e salvamento italiana e retomando a política de bloqueio nas fronteiras seguida durante a era Berlusconi.

A estes argumentos somam-se os que defendem que a operação Mare Nostrum incentiva mais pessoas a arriscar a vida no mar. Uma possibilidade admitida num relatório da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa (PACE, na sigla original), de Junho deste ano.

O documento admite que a Mare Nostrum possa ter “contribuído para um aumento do fluxo de migrantes vindos do norte de África”, levando-os a acreditar que, independentemente do risco da travessia, “chegarão vivos ao destino que escolheram”. Uma interpretação que não convence quem lida com o problema no terreno, na primeira linha do salvamento e do acolhimento.

Marinha, Cáritas e Cruz Vermelha Italiana (CRI, na sigla original) respondem com o lado humano da operação. O que não significa, nota o presidente da CRI da Sicília, que se possa “acolher todo o mundo”, mas antes que “quem decide deve fazê-lo olhando o assunto com humanidade e percebendo que a situação nos países de origem não é simples”.

Um ponto para o qual converge também o director da Cáritas Diocesana de Ragusa, defendendo que, “junto das embaixadas dos países de origem, era necessário abrir corredores humanitários” que permitissem que os migrantes chegassem à Europa “através de canais privilegiados”.

CONTORNAR A CONVENÇÃO DE DUBLIN

Criar soluções legais, junto dos países de trânsito dos migrantes ou dos países de primeiro asilo, é também um dos 12 passos concretos propostos em Maio deste ano pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) para ajudar a salvar vidas no Mediterrâneo. O documento frisa que “tornar as partidas legais dos países de origem mais difíceis alimentará as redes de contrabando e de tráfico, que se tornarão a única opção” para os milhares que fogem.

O ACNUR defende também mais rapidez na procura de soluções de recepção para os migrantes salvos no mar - e “não necessariamente no país de desembarque”. O que toca num ponto sensível no diálogo entre Itália e a UE: a Convenção de Dublin.

O acordo estabelece que o pedido de asilo tem de ser feito no primeiro país de ingresso, mas é uma evidência que a maioria dos que chegam a Itália tem como objectivo prosseguir a viagem para outros países da Europa. Os números mostram que as autoridades italianas não os estão propriamente a travar.

“Basta ver nos dados oficiais do Governo que chegaram, desde Janeiro de 2014 até hoje, cerca de 120 mil migrantes a Itália”, indica o presidente da Cáritas de Ragusa. “Destes, apenas 30 mil pediram o reconhecimento do estatuto de refugiado” no país.

De acordo com o relatório “Mind the Gap - 2013/2014” da Asylum Information Database (AIDA), são sobretudo os migrantes que vêm da Síria, Somália e Eritreia que se recusam a deixar que se registe as impressões digitais e que rapidamente desaparecem dos centros de acolhimento temporário onde são colocados. O destino preferencial em 2013 foi a Suécia.

UM “TRITON” A CAMINHO

O mar de migrantes que banha a Sicília tem levado o Governo a fazer pressão constante para que a UE tome conta das operações de busca e salvamento. Durante meses, a Itália queixou-se que o assunto estava a ser evitado nos corredores de Bruxelas. A direcção do olhar europeu parece ter começado agora a virar-se um pouco mais para sul.

Uma nova operação para o Mediterrâneo, coordenada pela Frontex - a agência europeia para a vigilância das fronteiras - começa a actuar em Novembro. Há ainda muitas dúvidas em torno do seu alcance, mas sabe-se que oito países da UE, entre os quais Portugal, disponibilizaram navios e aviões para integrar a missão.

O orçamento previsto para a operação da Frontex é de 2,9 milhões de euros mensais - bem abaixo dos 9 milhões que Itália gasta por mês - e apenas cobrirá uma área até 30 milhas da costa italiana.

A comissária para os Assuntos Internos, Cecilia Malmström, reafirmou que “a Triton não pode e não vai substituir a Mare Nostrum”. Mas o ministro do Interior de Itália já deu sinais em sentido contrário. A Triton deverá ser coordenada com a missão italiana, “com vista à sua rápida eliminação”, disse Alfano.

Se o anúncio se confirmar, crescem receios de que o número de mortes dispare. Ao comandante do Orione, podem restar poucas oportunidades para continuar a fazer “o seu melhor”.

Um avião a descolar da Sicília oferece vista privilegiada para o Mediterrâneo. Os olhos fixos naquele azul compacto podem a qualquer momento cruzar-se com um barco, uma casca de noz, ondulante e indefesa, a tentar chegar à Europa. Visto dali, parece uma missão impossível para as 800 mil pessoas que se estima que estejam na costa líbia, a aguardar a sua vez.