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Chove e chove e chove.

O Inverno não queria pagar o resgate à troika senão com aguaceiros constantes. Molhou tolos, sábios, civis e militares. Mas ajudou também a exportar milhões de euros em electricidade. Os credores, abrigados por guarda-chuvas de protocolo, terão contemplado tal poupança, assim em directo e em exclusivo?

Certo é que chove e chove, mais do que isto só em 20% dos últimos 82 invernos. Em concelhos rurais como Vila Verde, quando não é demais, pode mesmo ser sustento. Mas nem as hortas de casa alimentam todas as bocas nem os milhões retidos nas barragens chegam para baixar as facturas da luz. As contas acumulam-se para cúmulo do desemprego. Monta-se uma rede de emergência social, com protocolo entre Misericórdias e a Segurança Social.

Há dois anos que é assim, faça sol ou chuva. A partir das 11h30, numa porta lateral da Santa Casa, dezenas de pessoas fazem fila com sacos e caixas plásticas. Já venceram a vergonha do início. Uns esqueceram-se da vida normal que tiveram até ao resgate, outros apresentam-se sem noção do seu carrossel psíquico, que de forma crónica os afasta de um trabalho precário que seja.

Já foram cem e vão mudando. A cantina social serve agora oito dezenas de almas. O último verão levou alguns para um emprego e outros para terras que estão bem para lá de Valdreu ou Aboim da Nóbrega.

Mas em Vila Verde, garantem-nos, a rede apanha-se em todo o lado.

E já parava de chover por aqui.

Cristina Azevedo não está na imagem.

A directora do departamento de acção social da Santa Casa da Misericórdia de Vila Verde assegura-nos que estas pessoas têm fome, falam verdade e só recebem comida dali. De seis em seis meses, à falta de elementos novos, reavaliam os processos, caso a caso.

"Há quem peça para rescindir este apoio, porque o marido entretanto já tem trabalho. São pessoas que nunca estiveram nesta situação". Há impactos que surpreendem. Esta assistente social conta-nos que a cantina social já fez emagrecer um agregado de 3 pessoas com extrema obesidade que "comiam o que calhava".

Por vezes a rede falha. O Rendimento Social de Inserção está com regras apertadas. Os subsídios de desemprego acabam cedo demais para muitos e tudo acaba naquelas filas.

Especialista em desigualdades, Carlos Farinha Rodrigues considera que o RSI era demasiado insignificante do ponto de vista orçamental para ser mexido em tempos de austeridade. Este economista ressalva que não há dados que permitam ainda avaliar com rigor os impactos destes três anos. Há um desfasamento entre a realidade e os dados estatísticos obtidos que só permite transformar 2009 num ano de viragem nas políticas públicas de combate à pobreza e às desigualdades.

Entre ontem, hoje e amanhã, a diferença está na multiplicação de redes de todos os géneros.

As famílias suportam hoje três gerações em crise, mais do que as frentes do passado recente. Algumas tornaram-se empresas e concentram capital e cultura debaixo do mesmo tecto em benefício da originalidade. As instituições espraiam-se em respostas sociais a lacunas de outras entidades. E emerge hoje uma rede de saber, escorada na Universidade do Minho, que pode fazer voar o Ave rumo a destinos inconcebíveis há 30 anos.

Ainda há quem cuide que o descuido evocado por Adriano Moreira não seja mais que a água do banho destes três anos de troika.