O direito à habitação não mora em Lisboa? O direito à habitação não mora em Lisboa? O direito à habitação não mora em Lisboa?

Joana ocupou um prédio municipal em Arroios porque é “ilegítimo” haver casas vazias quando tantos não conseguem viver em Lisboa. Cidália, que viveu naquele prédio, vê os filhos a adiarem a saída de casa por causa das rendas altas.

Dina Soares e Joana Bourgard
 
 

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“Tive muita pena da minha casa, muita pena mesmo. Às vezes, quando a janela se abre, ainda penso que é a minha vizinha.” Da porta do restaurante onde trabalha, na Rua Marques da Silva, em Arroios, Cidália Minguinhas vê bem as duas casas onde morou durante perto de 40 anos. O número 67, de onde saiu em 2015, e o número 69, onde tinha vivido antes, entre 1978 e o virar do século.

Os dois prédios, bem no centro da cidade, pertencem à Câmara de Lisboa. O 67 já só tem a fachada, mas o 69 continua de pé, e vazio. Há dois anos que não mora lá ninguém.

Foram as luzes sempre apagadas, as portas e as janelas sempre fechadas que chamaram a atenção de um grupo de activistas que se dedica a fazer o mapeamento das casas devolutas da capital. Sob a designação Assembleia de Ocupação de Lisboa, este grupo decidiu ocupar o prédio.

 
 
 
 

Do outro lado da rua, Cidália apoia a iniciativa. “Há muitas pessoas que precisam de casa. Eu sei que isto está degradado, mas, com umas pequenas obras, eu ainda morria primeiro e o prédio cá ficava”, diz.

 
 

Legal e legítimo

Joana Marques é um dos elementos da Assembleia de Ocupação de Lisboa. É ela que nos abre a porta do número 69 da Rua Marques da Silva. Lá dentro, perto de duas dezenas de pessoas avançam com a reparação do telhado.

“Estamos a começar um trabalho de reabilitação para impedir que o prédio continue a degradar-se. Primeiro, vamos ao telhado e, a partir daí, avançamos para a recuperação de todo o edifício para que possa albergar os vários projectos que estão a ser pensados pela assembleia”, explica Joana Marques.

A maioria dos ocupantes estão de máscara. Para se protegerem do pó, mas também para ocultarem o rosto. Até ao dia em que a Renascença visitou o prédio, nenhuma autoridade se tinha pronunciado sobre a ocupação, apesar de o movimento ter notificado a câmara e a polícia municipal antes de avançar.

 
 
 
 

Foi exactamente para chamar a atenção para a falta de habitação e a gentrificação (a tendência de aumento dos preços das casas que afasta da cidade os residentes com menos posses) que a Assembleia de Ocupação de Lisboa decidiu ocupar um prédio municipal.

Em defesa da sua causa, surgem os números da Pordata que mostram que, nos últimos 15 anos, a capital perdeu quase 60 mil habitantes. Muitos terão saído por não terem onde morar.

Se as rendas na capital têm disparado, também o valor das casas para compra torna difícil esta opção. Em Lisboa, em Julho de 2017, o metro quadrado custava 2.110 euros (valores médios de avaliação bancária dos alojamentos - dados do INE).

Valor médio da avaliação bancária do m² (Julho 2017)

Dados apenas disponíveis para municípios com população superior a 100.000 habitantes segundo os Censos de 2011


Fonte: INE

 
 

Câmara gere mais de 25 mil casas

A ideia de que a Câmara de Lisboa é o pior senhorio do país tem dominado a campanha autárquica. A candidatura do PSD fala de duas mil casas devolutas entre o património disperso da autarquia, ou seja, as casas espalhadas pela cidade e que não fazem parte dos bairros municipais.

No entanto, a vereadora da Habitação, Paula Marques, garante que os fogos de património disperso da câmara que estão afectos à habitação são 1.460, com uma taxa de ocupação de 80%. Ou seja: há menos de 300 casas vazias.

Actualmente, vivem em habitação municipal dispersa mais de 5 mil pessoas, mil das quais no centro histórico. Até há poucos anos, este património era bem maior, mas António Costa, nos tempos em que estava à frente da autarquia, vendeu cerca de 130 prédios.

 
 
 
 

O património disperso é apenas uma pequena parte de todas as casas propriedade da câmara. Nos 68 bairros municipais da capital, existem 25 mil fogos, 1.600 estão devolutos. “Dizer que a câmara não tem património devoluto é demagogia. Tem. O que vai é fazendo intervenções, mais ou menos morosas, e distribuindo as casas conforme as necessidades”, explica a vereadora.

 
 

Os jovens que não se arrumam

Cidália Minguinhas é uma inquilina típica da autarquia. Quase toda a vida viveu em casas da câmara e não tem boa ideia do seu senhorio.

“Desde que fui para o número 67 da Rua Marques da Silva, fui eu que fiz todas as obras, a câmara nunca fez obras nenhumas. É verdade que deu alguns materiais, mas gastei imenso dinheiro e quando saí nem sequer me deram uma recompensa. É o salve-se quem puder. Tive que sair e tive que sair mesmo”, conta.

Neste momento, Cidália já vai na terceira casa municipal. Depois de ter sido despejada de Arroios, foi realojada no Martim Moniz. Ficou no centro da cidade, mas numa casa bem mais pequena do que a que tinha antes. “Não é casa que me agrade, mas tive que escolher para não perder as minhas coisas. Mesmo assim, tive que deixar muita coisa para trás: um bom roupeiro, o porta-bilhas, que era um grande fogão, a cama da minha filha.”

 
 
 
 

Cidália e a família ficaram mais apertados e até os animais de estimação estranharam a mudança. “Na outra casa tinha um terraço muito diferente deste e os animais estranharam. Até adoeceram.”

A renda também cresceu. Antes pagava 103 euros, agora paga 157. Uma renda alta para os seus rendimentos, mas muito baixa para os preços que o mercado cobra e que impedem os filhos de Cidália e milhares de outros jovens de saírem de casa.

“Tenho uma filha arrumada, mas os outros querem-se arrumar, mas não têm ordenados. Quem é que vai pagar as rendas que estão a pedir, nem que seja 400 euros? Isso é o que ganha o meu filho.”


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