Mariana é uma máquina no trabalho doméstico. No quintal gosta de ter sempre tudo limpo, em casa nada pode estar fora do sítio. E nos tempos livres dá azo à imaginação e à precisão. Por isso, a pintura satisfaz a primeira e a costura pontua a segunda. Precisa de dois braços, e dos bons. Durante um ano, ela só teve um porque o esquerdo não mexia. Só doía.
Aos 78 anos, tem aquela jovialidade, espontaneidade e juventude de quem vive onde tudo é mais natural: fora da cidade, fora da confusão, em pleno Alentejo. Fala com a simplicidade de quem estudou até à quarta classe, mas que, avisa logo, agora “valeria o 12º ano”. Diz que nunca foi de doenças, mas há pouco mais de um ano uma tendinite no braço esquerdo apanhou-a em cheio. Era dor crónica na variante músculo-esquelética.
Foi dor e queda. Era quente e muito forte. Começou no ombro, ia ao pescoço, seguia para o braço esquerdo onde ficava até chegar às pontas dos dedos.
Passou a fazer as coisas só com uma mão. “Comecei a pensar que, de um momento para o outro, nem um nem outro braço”, lembra. Logo ela que, como diz, gosta tanto de varrer o quintal onde tem hortaliças e um pequeno pomar.
Em Portugal, a dor crónica atinge três milhões de pessoas, quase 30% da população, segundo indica o mais recente estudo sobre o tema feito pela Faculdade de Medicina da Universidade do Porto. Desses, cerca de um milhão sofre de dor crónica de intensidade “moderada ou severa”. Estima-se que o Estado todos os anos gaste 4,6 mil milhões com esta doença, 2,7% do PIB.
Durante meses não se pôde mexer. Dependia de Luís, o marido, para quase tudo.
“Ele tinha de me ajudar a vestir e a despir, eu não conseguia sozinha. Não podia levantar o braço nem nada. O sangue não passava”, recorda.
Mariana diz que dentro do azar ainda teve sorte. “O que vale é que foi no braço esquerdo porque com o direito ainda fazia as coisas”, explica. Mas durante todo o tempo manteve a vontade de fazer tudo o que fazia antes. “Podia ter contratado alguém, mas sempre quis fazer as coisas”, acrescenta.
O facto de a filha trabalhar no Sistema Nacional de Saúde abriu-lhe portas para poder mais rapidamente chegar à consulta da dor no Hospital de Setúbal. Aí foi seguida sobretudo por Joana Coelho, especialista em tratamentos, que ali está uma vez por semana.
“Ela tinha uma dor muito forte no braço esquerdo e grande dificuldade nos movimentos. Para alguém que foi costureira a vida toda, que nunca teve dificuldades em mexer os membros superiores, e ainda faz todas as actividades sozinha, ter o braço sem funcionar é assustador”, diz a terapeuta.
Avançou para a neuromodulação funcional, que nos casos de dor crónica músculo-esquelética tem um grande grau de sucesso. “Estritamente para esses casos, a resposta é fantástica. Posso dizer que resolve acima de 90% das situações”, garante. Na dor neuropática, lesão numa estrutura nervosa, por exemplo, a taxa de resolução já não é tão positiva.
Joana Coelho explica que a técnica consiste em introduzir agulhas nos músculos e na proximidade de nervos tentando que o músculo recupere a sua função.
Mariana já tinha ouvido falar da acupunctura. Mas pouco. E as pessoas à sua volta diziam-lhe: “Andas a fazer isso, mas não vai dar resultado”. Ela decidiu confiar. E fez bem.
Joana Coelho explica que há que pôr o doente disponível para o tratamento até porque na dor crónica “uma sessão é insuficiente, até pode piorar”. “Às vezes só vemos melhorias a partir da quarta sessão”, explica a médica.
O padrão de tratamento que usa para estes casos é de uma vez por semana durante um mês e meio. De seguida passa para uma periodicidade mensal. A terapeuta sublinha ainda que nos casos de cefaleia a acupunctura tem resultados fantásticos.
“Há pessoas que tinham dores que as incapacitavam para o trabalho e que deixaram de as ter. Se conseguirmos reduzir a terapêutica farmacológica já é um ganho”, defende Joana Coelho.
Mariana sentiu na pele que a estatística aqui não mente. Melhorou bastante. Agora só pontualmente “tem um ardor, mas já não a dor do passado”. Está praticamente curada.
“Ela não conseguia apertar o sutiã. Não conseguia ir atrás. Nem o avental atava. Notei que ela estava melhor quando no quarto ou no quinto tratamento me disse que já conseguia. E agora tem uma grande amplitude”, ilustra Joana Coelho.
Aos poucos e poucos, a sensação de desconforto foi desaparecendo até se tornar muito ténue ou nula. A antiga Mariana que não pára voltou.
Tem um objectivo: ficar o maior tempo possível com o marido na moradia em que vive no Torrão, Alcácer do Sal. Ir a casa das filhas em Setúbal é bom, mas deseja muito manter a independência que possui.
“Quero continuar a dormir aqui as minhas sestas à tarde, a darmos os nossos passeios juntos e a pescar. Eu pesco melhor do que ele. Desculpa lá, Luís”. E ri-se para o marido.
Janeiro de 2018 – © Renascença