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A MIRAGEM EUROPEIA

Adnan Korjenić solta uma gargalhada. Não é que ande muito contente por estes dias. Contava com mais turistas na rua de maior comércio de Sarajevo, para alimentar o seu negócio de venda de música e filmes. Mas atira a cabeça para trás e ri-se muito alto quando lhe perguntamos se imagina a Bósnia na União Europeia (UE).

Vinte anos depois da guerra, a Bósnia e Herzegovina continua a ser um estado frágil, com uma estrutura demasiado complexa, dependente de ajuda externa, com a economia em mau estado e um nível de desemprego que ronda os 40%. Entre os jovens chega aos 60% - a taxa mais alta da Europa.

Em Fevereiro do ano passado, uma série de manifestações irrompeu em várias cidades, sobretudo no território da entidade bósnio-croata. Milhares de cidadãos saíram à rua para dizer que estavam fartos de pagar as consequências de anos de incompetência política e corrupção. Como se acordassem de repente de um longo estado de hibernação. Houve pilhagens, edifícios destruídos e a violência escalou.


Passadas poucas semanas tudo estava calmo novamente, mas “foi um sinal de alerta” para Lars-Gunnar Wigemark, representante especial da UE na Bósnia e Herzegovina. “Fez-nos perceber que nós também temos de mudar algumas das nossas posições.” A resposta europeia foi a implementação de um Pacto de Crescimento, desenhado para ajudar as instituições bósnias a fazer reformas socioeconómicas concretas para revigorar a economia e incentivar a criação de empregos.

“Esperamos o mesmo agora dos líderes políticos. Não podem continuar a fazer o que têm estado a fazer nos últimos 20 anos”, diz Wigeman.

Os vários líderes têm visões diferentes para o futuro do país. Os sérvios defendem maior autonomia da sua entidade, os bosníacos são partidários de um Estado mais forte e centralizado e alguns croatas querem ter a sua própria entidade. Aprovar a mais elementar legislação num sistema tão complexo é sempre tarefa morosa e digna de uma novela. No meio do ruído, a Europa fica sem interlocutor.

No início de Junho, o Acordo de Estabilização e de Associação assinado em 2008 entrou finalmente em vigor. Define metas económicas e políticas comuns e prevê que gradualmente se crie uma área de comércio livre entre a Bósnia e a UE. Esteve suspenso durante sete anos, com sucessivos relatórios europeus negativos sobre a situação do país.

Wigemark está cautelosamente optimista. “Agora é possível avançar, mas primeiro são necessárias sérias reformas económicas e sociais, incluindo uma reforma do sistema judicial, que permita um maior respeito pela lei, nomeadamente no combate à corrupção.”

No 18.º andar do edifício onde funciona o Conselho de Ministros da Bósnia e Herzegovina, reconstruído depois da guerra com a ajuda da Grécia, a directora do Gabinete para a Integração Europeia olha para o “novo momento” com prudência. “Temos enormes e dolorosas reformas pela frente, mas não há outra forma”, diz Nevenka Savić.

Os vizinhos Montenegro e Sérvia são candidatos à adesão à UE e a Bósnia devia encarar isto como “um sinal para não ficar na estação a ver o comboio passar”, considera Lars-Gunnar Wigemark.

“Claro que a Europa não é uma panaceia que resolve todos os problemas”, acrescenta. Basta pensar nas dificuldades económicas e sociais que alguns dos actuais estados-membros estão a enfrentar. Diz o representante da UE que “pelo menos estamos a apoiar-nos uns aos outros”.

Em Abril, o maior partido político na República Srpska (o SNSD, liderado pelo actual Presidente sérvio bósnio Milorad Dodik), ameaçou avançar com um referendo em 2018 caso não seja dada mais autonomia à entidade gerida pelos sérvios bósnios. “É um tipo de ultimato inaceitável”, considera o representante da UE no país. Wigemark acredita que tudo não passa de mais um jogo político. “Temos de avaliar o que significa essa ameaça, onde pretende chegar”, já que “todos os partidos políticos, incluindo esse, se comprometeram a apoiar um país unido com vista à entrada na União Europeia”.

O Acordo de Dayton não permite que nenhuma das entidades se separe, mas a hipótese desenha nuvens escuras no horizonte, se pensarmos que a Bósnia e Herzegovina entrou em guerra em 1992 precisamente na sequência de um referendo à independência do país.

Ainda permanecem tropas estrangeiras na Bósnia com a missão de garantir a aplicação militar do Acordo de Dayton. Desde 2004, são da responsabilidade da UE. A missão da força militar europeia (EUFOR) teve início em 2004, com cerca de sete mil soldados, quando a NATO terminou a operação da força de estabilização que tinha iniciado em 1996.

Hoje, restam cerca de 600 militares no quartel-general de Camp Butmir, nos arredores de Sarajevo. O único propósito, esclarece o major-general Johann Luif, comandante da EUFOR, é “apoiar as autoridades locais na manutenção de um ambiente seguro e fiável e treinar as Forças Armadas da Bósnia e Herzegovina”, que contam com cerca de 10 mil soldados.

A manutenção no terreno “é um forte sinal de compromisso com este país, que significa que a UE leva muito a sério o seu desenvolvimento pacífico”, sustenta o major. “Enquanto não tivermos a certeza que este desenvolvimento positivo é irreversível temos de permanecer aqui, com tropas disponíveis para, se forem requisitadas, garantirem um ambiente seguro.”

EUROPEIZAÇÃO DA BÓSNIA OU BOSNIFICAÇÃO DA EUROPA?

O último inquérito feito pelo Gabinete para a Integração Europeia diz que 78% dos cidadãos bósnios apoiam a entrada do país na UE. Ainda que sem qualquer validade científica, as opiniões recolhidas nesta reportagem apontam para um grau de aprovação bem mais modesto e com muitas reticências à frente. Há sempre um “mas”.

Faruk Lončarević é realizador e tem muitos “mas” e “ses” na cabeça. Encontramo-lo a reunir mais uns quantos no meio do memorial de Potočari, em Srebrenica. Ao fim de muitos anos de resistência, decidiu fazer um filme com eles.

É natural de Sarajevo, passou todo o período do cerco à cidade a estudar cinema, ao lado de outros realizadores bósnios como Jasmila Žbanić e Aida Begić. Até agora evitou inspirar-se nesse período, porque “é muito difícil evitar a ideologia” e Faruk não estava interessado em fazer mais um filme enviesado sobre o conflito.

Mudou de ideias depois de ler um guião escrito por um holandês. “É um filme sobre o que Srebrenica é agora e sobre a tentativa de um ex-soldado holandês reconstruir a sua vida e corrigir algo que ele fez em 1995”. Deverá chamar-se “Safe Haven” (Zona Protegida), um título que, literalmente, alude ao facto de Srebrenica ter estado sob protecção da ONU. Metaforicamente, abre espaço para uma enormidade de coisas.

O guião para a co-produção bósnia, holandesa e francesa está a ser finalizado, mas a fase de angariação de financiamento vai provavelmente empatar o projecto. “Tem que se ser muito paciente. O tempo médio de execução de um filme bósnio é entre três a cinco anos.”

Parte das dificuldades que antecipa prendem-se precisamente com o facto de ser um filme sobre Srebrenica. “Os holandeses não querem falar sobre isto, preferiam que Srebrenica não existisse. Aqui, o lado sérvio preferia que ninguém vivesse lá e as elites muçulmanas gostam do facto de que seja um grande monumento, que não vivam lá pessoas”.

Pensar em fundos estatais está, por isso, fora de hipótese para Faruk, porque implicaria “seguir a narrativa do Estado”. Da UE também não espera contribuições. A experiência diz-lhe que a Europa só procura na Bósnia o exotismo dos “problemas étnicos”.

Somando a falta de condições de vida, a falta de investimento, de emprego e a quantidade de gente que vai embora, Faruk Lončarević vê Srebrenica como um símbolo de tudo o que está errado com o país. Agora como há 20 anos.

Por isso o realizador insiste que “é importante fazer filmes, estar lá” e testemunhar como a cidade se vai esvaziando aos poucos. “Não apenas no dia 11 de Julho, porque o 11 de Julho é um evento social. Estas pessoas vivem lá mais 364 dias no ano.”

Em 1995 o mundo aprendeu que Srebrenica se lê "Srebrenítza" e que foi palco do maior massacre em solo europeu desde a II Guerra Mundial. Vinte anos depois, a Bósnia e Herzegovina ainda está a aprender a pronunciar a palavra “democracia”. E a repensar o seu lugar na Europa.