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Rui, 35 anos, ia ser um grande karateca.

Desde os dez anos que praticava os cinco princípios básicos desta arte marcial: carácter, sinceridade, etiqueta, esforço e controlo. Foi atleta de alta competição, passou de aluno a instrutor, e, provavelmente, pouco mais haveria para contar na vida deste guardense que foi morar para o Porto, se ele não tivesse decidido trocar as voltas à vida.

Isso foi há 16 anos. Rui era adolescente, estudava desporto, praticava karaté, tocava numa banda de blues e tinha uma namorada. Um dia, por um acaso que se tornou no ponto de viragem da sua vida, um amigo pediu-lhe para o substituir numa viagem ao interior do país, onde Rui só teria de tocar guitarra.

A viagem acabou por ser a primeira missão que fez, ainda antes de decidir ser padre. O objectivo era acompanhar um grupo de missionários numa semana de formação de fé, mas Rui ficou impressionado com as pessoas que viram nele não um jovem pré-adulto com uma guitarra na mão, mas alguém com quem se podia desabafar e conversar. Rui sentiu que este era um papel que gostava de desempenhar, e que o fazia bem.

Depois de voltar daquela experiência, não descansou enquanto não tomou a decisão que ia definir a sua vida dali para a frente. Quando falou sobre isso com a namorada, ela riu-se e explicou-lhe que já todos tinham reparado na transformação. O Rui foi o último a notar.

Foi para o seminário e, mais tarde, tornou-se missionário redentorista. O papel destes missionários é "fazer formação da fé, adulta, madura" e normalmente não estão afectos a uma paróquia, andando pelo país nesta missão. Em Portugal há 40 missionários redentoristas.

A espada da crise

O dia-a-dia de Rui passa por escutar as pessoas. E foi nesta escuta que se apercebeu de que se foi criando um grupo de pessoas a quem a austeridade não obrigou a um ajuste do nível de vida, mas que mesmo assim se sente "angustiado" pela crise.

"Criou-se uma pandemia da crise", explica, argumentando que este grupo vive com um "medo" que se compara a uma "espada de Dâmocles" que paira sobre as suas cabeças.

A espada de Dâmocles foi uma espada que o rei Dionísio II pendurou sobre o trono quando trocou de lugar com Dâmocles, por este invejar a sua posição. A espada serviria para mostrar ao súbdito como, apesar da riqueza e do poder que possuía, o lugar do soberano era tudo menos tranquilo. Dâmocles sentiu a ameaça e não descansou enquanto não voltou à sua posição.

Rui compara a angústia de Dâmocles à angústia que hoje sentem muitas pessoas por causa da crise. Reconhece que há pessoas que foram verdadeiramente afectadas, mas salienta que esta espécie de "espada da crise" serve para pressionar um outro grupo, que fica limitado não por causa da austeridade, mas por "medo".

Dá como exemplo pessoas que estão nos seus primeiros e segundos empregos e que acabam por estar a trabalhar sob condições que de outra maneira não seriam aceitáveis.

O papel da fé

Desde 2005 que Rui vive no Seminário do Cristo-Rei, em Gaia, mas já conhecia aquelas instalações desde os tempos do karaté. A capela do seminário foi construída no lugar onde antes estava um pavilhão desportivo, onde Rui chegou a praticar. No lugar do dojo, o campo de treino das artes marciais, hoje está o altar, onde Rui celebra missa, todos os sábados, às sete da tarde.

O missionário destaca três serviços que a fé pode fazer em tempos de crise: dar uma esperança, que não ajuda a pagar as contas, mas que alimenta a resistência, em vez da resignação; criar comunidades fraternas de inter-ajuda, para que "não ande cada um a tratar de si"; e fazer com que as pessoas se envolvam mais na comunidade, o que considera como um "primeiro nível de política". "Se deixarmos a política para os políticos, está visto no que é que dá", conclui.

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