Ler os números
Que país se esconde por trás das estatísticas e dos indicadores económicos? Que percurso temos feito até agora, e qual o caminho que ainda vamos ter de percorrer? Pedimos a dois sociólogos para olharem para o futuro por trás da evolução dos principais indicadores económicos dos últimos anos.
![]() "É preciso optimismo e espaço para respirar financeiramente"Nuno de Almeida Alves Director do Departamento de Métodos de Pesquisa Social do ISCTE |
![]() No centro da "tempestade perfeita"Ana Nunes de Almeida Investigadora coordenadora no Instituto de Ciências Sociais |
Que marcas é que esta situação vai deixar na sociedade portuguesa? Se nada for feito, a sociedade portuguesa vai definhar. Vai definhar populacionalmente, vai definhar economicamente e definhar também nas condições de projecção para o futuro. Como podemos recuperar? É preciso que a economia cresça e cresça muito prolongadamente e muito substantivamente em termos de crescimento em percentagem do PIB, ao nível de 3, 4, 5%, como era costume acontecer nos anos 80 e 90. É preciso crescer a esse nível para conseguirmos fazer repercutir isso nos salários e nas condições de vida das pessoas. Vamos demorar 20/30 anos, se tudo correr bem, a recuperar. E o que é correr bem? Correr bem, talvez começasse por não termos este problema da dívida que nos condiciona todas as possibilidades. Era preciso renegociar. O Governo português terá que ter toda a habilidade negocial e ter muito bons argumentos para convencer os seus credores internacionais de que a sociedade portuguesa, e também a Europa, só beneficiará com condições menos gravosas para a população e para a economia portuguesas. E só daqui a 20/30 anos é que podemos esperar uma inversão da situação? Para ser uma inversão sustentada, sim.É preciso é esperança, optimismo. As pessoas estão muito retraídas. Até mesmo pessoas que conseguiram manter os seus níveis de rendimento, baixaram muito acentuadamente o consumo porque estão com medo do futuro. Como é que vê o país em 2024? Mal. Estou muito pessimista. Porque nós não estamos assim por acaso, nós estamos assim porque a União Europeia nos impôs este modelo. Foram um bocadinho paternalistas. Disseram: "vocês portaram-se mal e agora vão ter que pagar esse mau comportamento com sangue". Isto vai ter de ser sempre um compromisso estabelecido entre o Governo português e outros governos, em circunstâncias semelhantes. Estou a falar da Espanha, da Grécia, da Itália, provavelmente da França. Se estes países em piores circunstâncias financeiras não puderem negociar com a União Europeia uma reinversão dos posicionamentos que nos deixe respirar melhor e dar um outro rumo à economia portuguesa, não creio que haja possibilidade de esse ciclo se renovar. E quanto mais depressa e quanto mais firme for esse acordo, melhor será para nós e para a média europeia. Porque isto não é uma coisa que vá beneficiar só os países da periferia. Acho que vai beneficiar o consenso na Europa e até mesmo as condições de prevalência da democracia europeia, que está muito em risco hoje em dia. |
Que marcas é que esta situação vai deixar na sociedade portuguesa? A questão da fecundidade é uma questão crucial. Neste momento, em Portugal, há menos um milhão de indivíduos entre os 0 e os 14 anos do que havia há três décadas atrás. Isto é um número brutal. Uma sociedade envelhecida é uma sociedade muito menos capaz de lidar com a mudança, com a inovação e com o futuro. A esta queda brutal da fecundidade podemos juntar a emigração dos jovens mais qualificados. Este jovens não só estão a deixar desfalcado este nível intermédio, do ponto de vista da estrutura da população, como estão a deixar o país deserto de novas ideias, de novos conceitos, de novas maneiras de olhar o mundo. Esta geração é uma geração que faz uma falta dramática na sociedade portuguesa. A combinação destes dados resulta na tempestade perfeita. Como podemos recuperar? O que para mim é preocupante é que os inquéritos feitos à população portuguesa mostram que os casais, em geral, desejavam ter mais filhos. E não os têm porque as suas condições de vida não lhes permite acolher mais crianças. Para além das questões do dinheiro, que também contam, o que vem muitas vezes ao de cima é a difícil conciliação entre a vida familiar e a vida profissional. Há um caso muito interessante, que é o caso da Suécia, que tinha níveis de fecundidade muito baixos, e que está a recuperar esses índices. É muito interessante porque a Suécia decidiu não seguir políticas de família, mas favorecer uma política de igualdade de género, ou seja, pôr homens e mulheres no mercado de trabalho e na família com oportunidades e condições exactamente idênticas. Mesmo num país como a Alemanha, os horários de trabalho começam mais cedo, mas acabam mais cedo e às quatro, cinco da tarde, está tudo a ir para casa porque é a hora da família. Homens e mulheres. E o que acontece em Portugal? Às sete e meia, às oito e meia da noite, temos filas de trânsito, temos autocarros cheios, temos o metro cheio de pessoas a voltar para casa. Como é que vê o país em 2024? Vejo um país extremamente envelhecido e um país que foi amputado dos portugueses mais qualificados, mais jovens, justamente aqueles que eram necessários para o contributo da resolução desta crise gravíssima que nós estamos a atravessar. E acho que também não podemos olhar o futuro do país, sem pensarmos no futuro da Europa. Aquela ideia que nós tínhamos, de que a Europa iria ser um espaço de solidariedade entre países, entre gerações, um espaço que se afirmaria no mundo, na sociedade global como um espaço de inovação e de conhecimento, tudo isso a meu ver está um bocadinho posto em causa por aquilo que se está a passar. |