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António Victorino d'Almeida recebe-nos na sua casa, em Lisboa, temporariamente invadida por duas netas que aproveitam as férias da Páscoa para virar a casa dos avós de pernas para o ar.

Na varanda, um casal de cães denuncia a sua presença, mas não estão autorizados a entrar. São uma das companhias preferidas do maestro, os únicos que o costumam acompanhar na sala do piano, também chamada de sala dos cães.

Aos 74 anos, o músico continua a trabalhar como há dez.

Com uma reforma de 377 euros, percorre o país de cima a baixo, multiplicando-se em concertos, espectáculos, palestras. No dia a seguir à nossa conversa dará um salto a Espinho para falar de histórias relacionadas com a música. Vive do trabalho que faz diariamente, sublinha, mas não sentiu a austeridade.

Não fica, no entanto, indiferente aos problemas do país e chega a afirmar que a crise que agora atravessamos é pior do que a dos anos 80. A grande diferença, argumenta, está nos políticos. "Não temos governo, temos uma meninocracia", defende.

Os políticos, ou meninos, como lhes chama António Victorino d'Almeida, "não percebem nada e, além disso, são mentirosos. Eles obviamente não sabem como é que hão-de resolver os problemas".

O maestro também não tem soluções, mas explica que o seu trabalho não é esse. Se os políticos fossem sinceros, poder-se-ia iniciar um debate para procurar as soluções certas para os problemas do país.

Parece simples? Os problemas são fáceis de apontar, por isso, as soluções não podem ser impossíveis. Num mundo cada vez mais complexo, Victorino d'Almeida sugere uma abordagem descomplicada.

"Estando uma cidade com milhares de prédios devolutos, é absolutamente impensável que durmam pessoas na rua. Se as leis não permitem que se abram as portas, façam-se novas leis. Foi assim que o João das Regras fez uma revolução", lembra, citando o exemplo do reitor da Universidade de Lisboa que, com a sua argumentação, conseguiu convencer as Cortes de Coimbra de que o mestre de Avis era o melhor candidato ao trono.

Um país dividido entre ricos e miseráveis

Pouco habituado a fazer compras, Victorino d'Almeida viu-se recentemente a percorrer as lojas à procura de uma gravata para um neto. O que viu deixou-o perplexo. "Só encontrei gravatas a 19 euros ou a 89 euros. No meio não há preços". Das gravatas, passou para os fatos, e daí para os automóveis, e concluiu: "a vida hoje em dia está feita ou para miseráveis, ou para milionários".

"Acho que os mais novos vão fazer uma revolução", revela o maestro. "Se não a fizerem, têm de continuar a emigrar". Uma revolução "sem tiros", como a de João das Regras, mas que altere as estruturas do país.

Na sala de estar do maestro há um piano desafinado com mais de 200 anos. Na verdade, serve apenas para decorar. Dele saem poucas notas, e é preciso usar uma moeda a entalar uma das teclas para que saia algum som. O piano está a ser comido lentamente pelos bichos da madeira, e não há nada que se possa fazer para o evitar.

Sentado no sofá ao lado do piano, António Victorino d'Almeida espera pelo momento em que as coisas mudem. E gostava de contribuir de alguma maneira para a discussão, quando ela surgir. Não há uma música para descrever esse momento, explica. A revolução não tem banda sonora. Essa vem depois.

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