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As mãos de Ana Maria moldam a pasta de amêndoa e açúcar como se fosse plasticina. Da massa nasce um pequeno coelho, uma espiga de milho, uma maçã ou um limão. Ana Maria perdeu a conta ao número de formas que foi aprendendo a dar ao "doce fino", que aprendeu a fazer com a mãe.

Não gosta de partilhar com ninguém as horas que passa na cozinha à volta dos doces, também conhecidos por doces regionais do Algarve. Em duas horas e meia faz cerca de 40 bolinhos. E durante essas duas horas e meia não pensa na vida.

Ana Maria, 67 anos, é de Alvor, terra de pescadores no concelho de Portimão banhada pela ria que tem o mesmo nome. Os avós eram pescadores. Junto à ria, um telheiro largo fazia as vezes de lota e de manhã era possível encontrar peixe fresco. Agora, o peixe é vendido em Portimão.

Alvor é hoje uma terra virada para o Verão, e a família de Ana Maria acompanhou a evolução dos tempos. Ela e os irmãos dedicaram-se ao comércio.

Até há quatro anos, Ana Maria tinha uma mercearia. Reformou-se, com direito a 370 euros mensais, e agora passa os dias a cuidar das netas, filhas das três raparigas que criou. Os doces regionais que aprendeu a fazer com a mãe funcionam como uma dupla terapia: ajudam a remediar as contas da família e ajudam-na a passar o tempo.

Alvor, um mundo em ponto pequeno

Há cerca de 20 anos, Ana Maria descobriu um nódulo no peito. Assustou-se. "Marcaram-me uma consulta para [o hospital de] Faro e, se quer que eu lhe diga, ainda hoje estou à espera dessa consulta. Andei assim quatro anos. A minha irmã trabalhava no Seixal e foi uma conhecida dela que me conseguiu uma consulta no hospital de oncologia", recorda.

No Instituto Português de Oncologia "foi tratada como deve ser", mas o diagnóstico não era bom. Passou a visitar a instituição com regularidade e chegou a viver temporadas em casa da irmã para poder fazer os tratamentos de radioterapia que, a dada altura, teve de receber diariamente.

Ia e vinha sozinha. As três filhas e o marido ficavam em casa. Conta que chegou a apanhar a camioneta à meia-noite para chegar já de madrugada à capital. Quando ficava fora, por causa dos tratamentos, orientava a filha mais velha por telefone, para "coordenar tudo" na mercearia.

"Conseguimos dar conta do recado", diz, como se não tivesse sido uma luta difícil. "Ela teve que deixar os estudos, estava na universidade em Lisboa, e acabou por deixar tudo e vir. É assim".

O mundo de Ana Maria é o Alvor.

Em Junho, a sua terra ganha uma explosão de energia que só se acaba quando começam as aulas. Ana Maria mostra-nos as ruas onde os bares e restaurantes se multiplicam porta sim, porta sim. Parece difícil imaginar clientes para tanta oferta, nesta terra onde os supermercados foram fechando porque não havia negócio que aguentasse. Há uma esquina vazia, onde em tempos foi a sua mercearia, e ela gostava de voltar a ocupá-la. Desta vez, com um bar.

O Verão há-de chegar e com ele multiplicam-se as encomendas de bolinhos. Elas permitem-lhe viver melhor no dia-a-dia, mas não chegam para juntar um pé de meia. Há-de continuar a fazer os bolinhos enquanto puder porque "a reforma não chega a meio do mês".

Assim será em 2024, se não conseguir abrir entretanto o bar com que já sonha, na rua que ganha vida com as temperaturas altas e que parece mergulhar na ria. Gostava de se livrar da "apatia monetária" que não a deixa sonhar.

Ana Maria conhece pouco mundo. Tirando os tempos em que fazia tratamentos na capital, o mais longe que esteve de Alvor foi em Ayamonte, a primeira cidade que fica do outro lado da fronteira, se seguirmos a via do Infante que atravessa o Algarve em direcção a Espanha.

Mas não tem dúvidas: "não trocava isto por nada". Isto é "o mar, a paisagem, as pessoas e a maneira como falam". São "simples". "Dizem que Portugal é pequeno, mas eu acho que é muito grande e se tivesse dinheiro ia conhecer o meu país. Começava pelo Alentejo".

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