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Viajamos até Chaves para tentar perceber o que reserva o ano de 2024 longe das cidades. São precisas quase cinco horas para percorrer os 364 quilómetros que separam esta cidade de Lisboa (distância em linha recta). O caminho, todo em auto-estrada, está em perfeitas condições, mas às moscas. A auto-estrada vai ficando cada vez mais vazia à medida que nos afastamos da área metropolitana do Porto.

No final de tarde de um dia da semana, podem contar-se pelos dedos de uma mão o número de carros com que nos cruzámos durante a última hora de viagem.

Encontramos António, 55 anos, no Jardim do Bacalhau, no centro de Chaves. Militante do PSD, trabalha na Câmara. Conhece bem a história do país e da sua cidade do coração. "Chaves é uma terra simpática e acolhedora", diz. Só é pena estar tão longe dos centros de decisão. A distância mede-se não só em quilómetros, mas em serviços.

Primeiro, foi o comboio, logo ao virar da década dos anos 80 para os 90. Depois, foi o quartel. Mais recentemente, desqualificaram o hospital e o tribunal. António não sabe "o que virá mais", mas o que já chegou serviu para "empobrecer" a região e incentivar a saída desta terra já habituada a ver a sua gente a partir.

A pouco e pouco, Chaves vai perdendo pessoas e serviços, uns atrás dos outros, numa bola de neve sem princípio nem fim definidos. Entre 2001 e 2011, saíram do município quase quatro mil pessoas com menos de 65 anos, numa população total de cerca de 40 mil. A única faixa etária que cresceu neste espaço de tempo foi a dos mais velhos (mais de 65 anos), que passou de um quinto para um quarto da população.

"O futuro de Chaves não é muito risonho", prevê António. A sua terra está longe de quem manda e longe do mar, o que faz com que, de certa maneira esteja condenada. António chama-lhe o efeito da "macrocefalia" e da "litoralização".

A última carruagem

Desde 1 de Janeiro de 1990 que não saem comboios da estação de Chaves. Ali terminava a Linha do Corgo, que ia até Vila Real. Nesse ano, as composições passaram a circular apenas até Vila Pouca de Aguiar, mas, entretanto, o resto da linha foi desactivado por razões de segurança.

Houve promessas de recuperação e uma moção que envolveu Passos Coelho e José Sócrates, mas o destino da linha não foi alterado.

Em Abril de 2010, um mês depois de ter sido apresentado o primeiro "Plano de Estabilidade e Crescimento" (PEC), a Assembleia Municipal de Vila Real, presidida pelo actual primeiro-ministro, aprovou uma moção exigindo ao Governo de Sócrates a recuperação da linha. Mas o país já tinha entrado em contenção orçamental. O projecto da Linha do Corgo foi abandonado e, um ano depois, Passos viria a mudar a sua residência para São Bento.

Em casa de António, os caminhos-de-ferro da austeridade sentiram-se a dobrar porque tanto ele como a mulher são funcionários públicos. Os cortes sentem-se todos os meses nas folhas de ordenado, na ausência dos subsídios e no aumento do custo de vida. António não quer quantificar, mas garante que teve de fazer ajustes.

O filho mais velho do casal, com 26 anos, partiu este ano para França à procura de um trabalho que correspondesse monetariamente e profissionalmente às suas qualificações de licenciado. A mais nova, com 16, ainda não sabe o que quer ser, e António protege-a do futuro enquanto pode. Diz que ela ainda não pensa nisso, mas ele próprio não gosta de falar sobre o assunto. Falemos, então, de outros temas.

"Nós temos que ser realistas", argumenta. "O país gastava mais do que aquilo que produzia. Isso é um percurso que é típico dos portugueses. Alguém tinha que pôr o dedo na ferida e tentar travar este ímpeto consumista". O importante agora é não perdermos mais um comboio: o da Europa. "Somos a última carruagem, mas não nos desliguemos desse comboio!"

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