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Encalhados no quintal da Europa

Fechou-se a porta. Um aperto de mão com a Turquia estancou a torrente de migrantes e refugiados que corre para a Europa. Mas ainda há mais de 50 mil pessoas bloqueadas na Grécia, assombradas pela hipótese de deportação. Alguém há-de dizer nas linhas que se seguem que fechar uma fronteira é como apertar um balão: o ar não desaparece, só se move para outro lado.

por Catarina Santos, na Grécia

Domingo é dia de feira à volta do campo de refugiados de Eleonas, a escassos quilómetros do coração de Atenas. Wahidulla Qais atravessa o portão para o meio da confusão com um sorriso confiante. "Viu as últimas notícias? Li na Deutsche Welle que estão a tentar abrir uma nova rota pela Albânia, Croácia e Itália e que os governos desses países estariam de acordo". A mesma conversa ouvida uns dias antes, na ilha de Lesbos, da boca do paquistanês Shah.

Os rumores circulam depressa e ainda mais entre milhares de pessoas que estão a toda a hora à procura de uma saída. Tem sido assim desde o início de Março, quando a Macedónia fechou por completo a fronteira com a Grécia e quando a Eslovénia, Croácia e Sérvia proibiram a entrada de migrantes e refugiados irregulares no seu território, colocando um ponto final na "rota dos Balcãs".

Foi mais uma desilusão para o afegão  Wahidulla Qais, 
Wahidulla Qais
  • 33 anos, empreiteiro
  • Fugiu do Afeganistão com a família
  • Na Grécia desde 7 de Março
  • Ainda não pediu asilo

que chegou à Grécia em Março, dois dias antes de a porta se fechar, com a mulher, um irmão e os três filhos. Tinha passado os últimos seis anos a esquivar-se às ameaças de morte dos talibãs e a tentar pedir protecção internacional a partir do Afeganistão.

Este empreiteiro de 33 anos, que passa os dias a ler os sites da Deutsche Welle, da Euronews e da BBC, teve o cuidado de não espalhar a notícia no campo de Eleonas, onde está instalado com a família. "Estão todos sob pressão. Enquanto não for oficial não lhes vou dizer. Pode não se confirmar e depois vão acusar-me de lhes ter defraudado expectativas".

A Grécia, porta de entrada para mais de 850 mil migrantes e refugiados em 2015, é agora, para muitos, um beco sem saída. Quem chega tem três opções: pedir asilo no país, candidatar-se ao programa de reunificação familiar ou pedir para ser recolocado noutro estado-membro. Mas a alguém como Wahidulla só resta a primeira opção. O sistema de recolocação não está disponível para afegãos.

Enquanto caminha pelos passeios apinhados de caixotes de flores, quinquilharias e atoalhados da feira de domingo, Wahidulla força-se a acreditar que ainda vai tropeçar numa alternativa.

VIAS LEGAIS DE ACESSO AOS PAÍSES EUROPEUS

RECOLOCAÇÃO

Em 2015, a União Europeia assumiu o compromisso de, até 2017, recolocar 160 mil pessoas com clara necessidade de protecção internacional que estejam em Itália, Grécia e Hungria.

O mecanismo só está acessível para sírios, iraquianos e eritreus, ou seja, requerentes com elevada hipótese de verem o pedido de asilo aceite (mais de 75% de taxa média de reconhecimento nos países da UE).

Os migrantes não podem escolher o país para onde querem ir. Os estados-membros recebem 6 mil euros por cada pessoa acolhida. O ritmo das transferências tem sido extremamente lento.

Das 160 mil previstas, apenas 1.500 pessoas foram recolocadas até 18 de Maio. O maior entrave apontado pela Comissão Europeia é a falta de vontade política dos estados-membros, que não disponibilizaram lugares suficientes.

As dificuldades dos serviços gregos e italianos para registar e processar os pedidos também não é alheia aos atrasos.

REINSTALAÇÃO

Este mecanismo prevê a transferência de 20 mil pessoas dos países mais afectados pela crise de refugiados. Até 12 de Abril de 2016, foram reinstaladas cerca de 6.300 pessoas em 16 países europeus.

A maioria dos refugiados reinstalados são sírios, provenientes da Jordânia, do Líbano e da Turquia.

REUNIFICAÇÃO FAMILIAR

A legislação europeia prevê que alguém já com estatuto de refugiado possa trazer a família próxima. Segundo o Conselho Europeu para os Refugiados e Exilados, os processos de candidatura são complexos, os critérios de elegibilidade são apertados e os custos com documentação são elevados.

Por exemplo, filhos com mais de 18 anos não são elegíveis, mesmo que ainda estejam dependentes dos pais. Irmãos também não. Cada estado-membro pode alargar o âmbito deste núcleo familiar, mas é opcional.

Se não há emprego para os gregos, como vai haver para mim? Que tipo de futuro posso dar aos meus filhos aqui?"

Wahidulla Qais, afegão

Apesar de tudo isso, não consegue imaginar um futuro ali, num país devastado pela crise económica e financeira. Tem um enorme ponto de interrogação permanentemente desenhado no rosto. "Se não há emprego para os gregos, como vai haver para mim? Que tipo de futuro posso dar aos meus filhos aqui?"

A autorização de permanência de 30 dias expirou e Wahidulla não sabe o que fazer. Se não tiver outra hipótese, admite pedir asilo para evitar a deportação. Mas essa pode ser a próxima dor de cabeça.

Milhares à espera para pedir asilo por Skype

Para muitos migrantes e refugiados, tanto nos campos de acolhimento oficiais como nos improvisados, a única forma de contactar os serviços de asilo gregos é através de uma chamada feita por Skype. Foi a solução encontrada pelo país para lidar com os milhares de pedidos e a falta de técnicos nos campos.

Há apenas algumas horas por semana destinadas para o efeito, dependendo da língua falada e do tipo de pedido. É necessário garantir que do outro lado da linha haverá um tradutor adequado a cada caso. O resultado são milhares de pessoas em fila de espera e muitas queixas de chamadas não atendidas, semana após semana.

São milhares de pessoas, é uma operação logística gigantesca. Há muita pressão nos serviços de imigração gregos"

Jean-Pierre Schembri, porta-voz do Gabinete Europeu de Apoio em Matéria de Asilo


O ACORDO UE-TURQUIA


A declaração assinada entre a UE e Ancara estipula que, a partir de 20 de Março, são devolvidos à Turquia todos os migrantes que cheguem às ilhas gregas e que não peçam asilo ou cujos pedidos sejam indeferidos. Uma medida "temporária e extraordinária", diz a Comissão Europeia, concebida para "pôr termo ao sofrimento humano", mostrando que "não há vantagem em seguir a via oferecida pelos passadores".

Pontos principais do acordo:

  • Mecanismo de "um por um": por cada cidadão sírio deportado para a Turquia, outro sírio actualmente na Turquia é reinstalado num país europeu. A UE compromete-se a acolher até 72 mil sírios.
  • Grécia e Turquia são responsáveis pela aplicação do acordo. UE apoia com recursos humanos, logísticos e financiamento
  • Turquia fica responsável por evitar a abertura de novas rotas migratórias
  • UE dá 6 mil milhões de euros de ajuda financeira à Turquia, para os refugiados sírios
  • Vão ser relançadas negociações com vista a uma futura integração da Turquia na UE
  • Vai ser revista a obrigação de visto para os cidadãos da Turquia entrarem no espaço Schengen (este ponto deu já origem ao primeiro desentendimento; a Turquia não aceita algumas condições apresentadas por Bruxelas, como a reforma das actuais leis antiterroristas turcas)

A situação repete-se por toda a Grécia, sobretudo no continente, e é reportada com preocupação por várias organizações não governamentais (ONG). Um grupo de voluntários independentes presentes no campo improvisado de Idomeni, do qual faz parte a portuguesa Helena Areal), ajudou uma síria a lançar uma petição para chamar a atenção para o problema.

Quando nos cruzámos com o porta-voz do Gabinete Europeu de Apoio em Matéria de Asilo (EASO, na sigla inglesa) em Lesbos, as queixas não o surpreenderam. "Temos consciência das dificuldades que refere, estamos muito preocupados, temos discutido o assunto com os serviços de imigração gregos e estamos à procura de soluções", garantia Jean-Pierre Schembri a meio de Abril.

Sublinhando que há "milhares de pessoas" a pedir asilo, o que implica uma "operação logística gigantesca" e "muita pressão sobre o serviços gregos", Schembri disse acreditar que a capacidade de resposta melhoraria com a chegada prevista de mais técnicos à Grécia nas semanas seguintes.

A 19 de Março, o EASO e a Frontex (a agência europeia para o controlo de fronteiras) tinham apelado à colaboração dos estados-membros para o reforço de pessoal técnico em várias áreas, mas a oferta é ainda muito reduzida face às necessidades. Por exemplo, dos 1.500 agentes de escolta solicitados, foram prometidos 739 pelos estados-membros, mas apenas 271 estavam na Grécia a 3 de Maio. Na mesma data, dos 400 intérpretes pedidos apenas 63 tinham sido efectivamente enviados.

Numa conversa de dez minutos, o porta-voz nunca se cansou de frisar que "a palavra final cabe aos gregos" e que o EASO estava ali apenas para dar apoio. Se a União Europeia (UE) conseguir implementar o sistema europeu comum de asilo que propôs no início de Maio, as respostas de Schembri terão de ser diferentes no futuro. O plano é que o gabinete de que faz parte se torne uma verdadeira agência europeia para o asilo – bem mais que o papel de conselheira que desempenha actualmente.

O acordo que trouxe o fantasma da deportação

A entrada em vigor do acordo da UE com a Turquia, a 20 de Março, cerrou ainda mais as alternativas: todos os que não pedirem asilo na Grécia ou cujas candidaturas sejam reprovadas serão deportados. A decisão originou uma corrida aos serviços de imigração gregos. Chegaram 3.462 pessoas em Abril e quase todas pediram protecção internacional.

Imaginem: gastei os meus 4 mil euros para chegar aqui, caminhei por montanhas, atravessei o mar; chego e dizem 'foi só uma brincadeira, agora vais para trás'. Então?"

Shah, natural do Baluchistão paquistanês

Há quatro centros de registo (os chamados "hotspots") na Grécia, situados nas ilhas de Lesbos, Chios, Samos e Leros. Depois de 20 de Março, estes centros transformaram-se em campos de detenção. Os migrantes que chegaram depois dessa data estão presos, enquanto aguardam uma clarificação da sua situação. Apenas os casos mais vulneráveis são transferidos para campos abertos.

O campo de Moria, na ilha de Lesbos, é um desses locais forrados de arame farpado, onde se avolumam queixas de falta de condições – alimentares, higiénicas e, sobretudo, de informação.

Uma investigação da Amnistia Internacional, feita no início de Abril nos centros de detenção de Lesbos e de Chios, concluiu que muitos migrantes estão "detidos em condições terríveis" na sequência da "pressa para implementar o acordo" da UE com a Turquia e que não tinham conhecimento suficiente sobre as suas opções legais.

Os jornalistas não são bem-vindos no local e apenas pudemos fazer entrevistas fora dos muros, fortemente vigiados por polícias e militares gregos. Foi aí que ouvimos o porta-voz do EASO garantir que todos os migrantes são informados sobre as hipóteses disponíveis. Várias organizações que prestam apoio nos campos, como a Save The Children e os Médicos do Mundo, testemunham o oposto.

À porta do campo de Moria, eufórico por ter finalmente conseguido o pré-registo nos serviços de imigração,
 Shah 
Shah
  • 23 anos, estudante
  • Fugiu do Baluchistão paquistanês
  • Na Grécia desde Novembro
  • Iniciou o processo de pedido de asilo em Abril

senta-se na esplanada de uma das rulotes que vendem refrescos e comida. Passou cinco meses ali, como tradutor voluntário, quando o campo ainda não era uma prisão.

Natural do Baluchistão paquistanês, fala sete línguas e foi uma ajuda preciosa para a polícia e as ONG que trabalham no local. Mas esse tempo acabou. Há dias tinha visto 200 pessoas "a gritar e a chorar como loucas" junto ao portão do campo, "porque sabiam que a qualquer momento podiam ser deportadas". A situação indigna Shah.

Shah demorou a dar entrada no seu próprio pedido de asilo, mas quando o fez teve apoio da Amnistia Internacional e a Better Days for Moria – uma das organizações para as quais trabalhava – pagou-lhe um advogado. Um privilégio a que poucos acedem.

"A lei determina que todos os direitos legais lhes sejam explicados pelas autoridades. Se quiserem ter apoio legal de advogados, têm esse direito e podem optar por isso. Mas têm de pagar e, por agora, não há apoio legal aqui no campo [de Moria]", esclarece Nikolaos Choriatellis, o advogado que tratou do caso de Shah.

Choriatellis defende que um acesso mais facilitado a advogados poderia ajudar a providenciar "provas oficiais e não oficiais" para melhor fundamentar os pedidos de asilo. "Estas pessoas saem de um barco e não têm praticamente nada com elas", lembra.

A porta fechada

Viramos costas a Moria e seguimos para oeste numa estrada com muitas oliveiras e esporádicos estabelecimentos. Uma bomba de gasolina ali, uma oficina de automóveis acolá. Meia dúzia de curvas depois entramos na estrada que liga Kalloni – a capital da sardinha – a Mytilene – a capital da ilha.

Da rua não se percebe, mas atrás dos muros do hotel Silver Bay estão alojados 200 migrantes. Poucos sinais denunciam a ocupação atípica do espaço. A piscina está coberta com uma lona verde e há roupa estendida num alpendre. Algumas mulheres de "hijab" passeiam com crianças nas imediações do parque infantil.

Na esplanada rodopiam quatro irmãs, de idades entre os nove e os dois anos. Saltam e sentam e voltam a saltar em torno da mãe, Sabah, grávida de sete meses, e do pai,
 Ahmad Alzaher, 
Ahmad Alzaher
  • Empreiteiro
  • Fugiu da Síria com a família
  • Na Grécia desde 3 de Março
  • Candidatou-se ao programa de recolocação

sentado a fumar um cigarro e a perguntar-nos para que é que uma rádio precisa de uma câmara.

O Silver Bay está desde Novembro inteiramente ocupado pela Cáritas grega, que acolhe casos mais vulneráveis. As condições não podiam ser mais distantes das que se denunciam no campo de Moria.

A instituição dá abrigo, comida, assistência social e aconselhamento legal. A Plataforma de Apoio aos Refugiados (PAR) tem médicos e psicólogos portugueses a prestar apoio no local. "É um projecto inspirado nas palavras do Papa Francisco: abrir as nossas casas aos mais vulneráveis, aos pobres. É o que fazemos aqui", conta Maristella Tsamatropoulou, do gabinete de comunicação da Cáritas.


A família Alzaher vem de Alepo, uma das cidades sírias mais maltratadas pela guerra, e aguarda uma resposta ao pedido de recolocação. Em poucas semanas de estadia no hotel, a filha mais velha já começou a aprender inglês e grego. "São pessoas muito prestáveis e amáveis. Conseguimos compreender-nos, apesar das diferenças de línguas e de culturas", conta Ahmad.

Levei a minha família sete vezes para o mar e senti-me um criminoso"

Ahmad Alzaher, sírio

Enquanto fala, a mulher mantém-se ao seu lado de expressão fechada e olhar permanentemente tenso. Ahmad prossegue a conversa lentamente, mas há vestígios de amargura na voz.

Passaram três meses na Turquia a tentar chegar à Grécia. Em duas de sete tentativas, o barco naufragou e foram resgatados pela guarda costeira. "Levei-os sete vezes para o mar e senti-me um criminoso. Eu não fui justo, mas não tinha outra opção".

Depois de ter fugido da morte na Síria e de quase a ter reencontrado no mar Egeu, o impedimento de seguir viagem foi uma gota de água demasiado violenta. "Quando chegámos aqui e fecharam as fronteiras, tudo se fechou na nossa cara, sentimo-nos perdidos. Estamos muito deprimidos."

Uma "operação cosmética"

Se tivesse demorado mais um mês a fugir da Síria, a família Alzaher provavelmente já não faria a travessia. Uma das consequências do acordo UE-Turquia foi a fiscalização mais apertada das autoridades turcas, que impedem os barcos de partir dos seus portos rumo à Grécia. O resultado não foi imediato, mas os números do fim de Abril já espelham uma diminuição brusca de chegadas.

Em sete meses de missão em Lesbos, uma equipa da Polícia Marítima portuguesa salvou quase três mil pessoas, mas são cada vez menos as embarcações detectadas pelos radares da viatura de vigilância costeira que levaram para Molivos, no norte da ilha.

As imagens das praias cobertas de coletes laranja e de botes abandonados já não existem. Os vestígios do drama que assolou Lesbos no último ano foram entretanto concentrados no cimo de um monte. É uma enorme e simbólica lixeira, com equipamentos "salva-vidas" de toda a espécie - muitos deles falsos ou inadequados, comprados aos traficantes como sendo verdadeiros.

Em Lesbos, a crise de refugiados é cada vez menos uma ferida exposta. Para lá dos centros de acolhimento e detenção, poucos sinais sobram. É o resultado do que a voluntária Mariana Barbosa classifica como "uma espécie de operação cosmética na ilha".

"É mais difícil que as pessoas fiquem emocionadas e que lhes chegue aos corações o que se está aqui a passar, porque não vêem os barcos de borracha com milhares de pessoas. Mas a situação continua a ser muito dramática", conta a professora da Universidade Católica, actualmente ao serviço da PAR em Lesbos.

Estancar um rio

Lesbos fica no nordeste do mar Egeu, a meia dúzia de quilómetros da Turquia. Onze milhões de oliveiras cobrem os 1.630 quilómetros quadrados da terceira maior ilha grega.
O sol já escalda a meio da manhã e o palestiniano
 Yousef Hammad, 
Yousef Hammad
  • 26 anos, jornalista
  • Fugiu da Palestina
  • Na Grécia desde 26 de Março
  • Pediu asilo

senta-se à sombra de uma delas.

Não tem absolutamente nada para fazer e entretém-se a ver quem passa. Oferece-se para nos fazer uma visita guiada ao campo de Kara Tepe, para onde são transferidos apenas os casos mais vulneráveis. Como ele, que trouxe de Gaza várias mazelas, resultantes de espancamentos. Yousef é jornalista e as suas reportagens sobre as condições de vida da população no território controlado pelo Hamas não agradavam ao regime.

Entre um "kalimera" e um "as-salam alaykom", o palestiniano cumprimenta dezenas de pessoas num percurso de 100 metros. Kara Tepe abriga cerca de 900 pessoas. Moria, onde passou cinco dias, amontoa quase quatro mil, quando a capacidade máxima deveria esgotar-se nos 2.500. Entre eles estão largas dezenas de menores não acompanhados.

"Há pelo menos 2.200 crianças não acompanhadas na Grécia, mas há muitas outras que não foram registadas sequer e que passam ao lado dos radares, sem qualquer protecção", sublinhaSacha Myers, da organização Save The Children, lamentando que haja "apenas 440 lugares em abrigos para menores" disponibilizados pelas autoridades gregas.

Yousef pediu asilo na Grécia porque chegou depois de 20 de Março e tinha medo de ser deportado. Mas não esconde que o seu plano é seguir viagem. Diz que há formas de o fazer, mesmo com as fronteiras fechadas, apesar de ser "muito caro e perigoso".

No porto de Pireu, em Atenas, a 450 quilómetros dali, encontrámos quem falasse, entredentes, na hipótese de comprar um passaporte falso. Perante vias oficiais confusas e insatisfatórias, todas as soluções alternativas são ponderadas.

A situação aqui é muito má. Há muita gente doente, porque a comida não é boa, não é limpa. Há diarreias, as crianças têm infecções. Falta tudo."

Fuad, sírio

O campo improvisado espalha-se pelos cantos do principal porto grego. A época de mais intenso movimento turístico está prestes a começar e as autoridades esforçam-se por convencer as duas mil pessoas que por ali acampam a mover-se para centros de recepção oficiais.

Num dos terminais abrigados do porto, há centenas de pessoas espalhadas pelo chão, entre amontoados de cobertores e sacos de roupa. Fuad é dos poucos que fala inglês e tem feito de tradutor desde que chegou ali. Tem 28 anos e fugiu da Síria há quatro meses, sozinho. "A situação aqui é muito má. Há muita gente doente, porque a comida não é boa, não é limpa. Há diarreias, as crianças têm infecções. Falta tudo".

Apesar disso, está reticente em aceitar a proposta de ir para outros campos. "Primeiro, disseram que eram muito bons, que tinham água quente, internet para as chamadas de Skype" – para muitos, a única forma de falar com os serviços de imigração. Mas alguns dos que foram acabaram por voltar e Fuad ficou desconfiado das informações oficiais. "Um autocarro saiu daqui com 50 pessoas e regressou com 45, porque a situação lá era pior do que aqui".

Fuad nem quer ouvir falar da hipótese de regressar à Síria. "Paguei muito dinheiro para chegar aqui. Não tenho mais nada". Percebeu entretanto que o programa de reunificação familiar não lhe permite juntar-se aos dois irmãos que tem na Alemanha. Resta-lhe tentar a recolocação. Se conseguir fazer a chamada. "Não sei o que vai acontecer. Perguntei e disseram-me que devia registar-me por Skype, mas há uns milhares de pessoas à espera e há apenas uma hora disponível a cada três dias. É um problema muito grande."

Fechar uma fronteira é como "apertar um balão"

Em Março, a porta-voz da Frontex, Izabella Cooper, usava uma imagem simples para explicar como têm funcionado os fluxos migratórios nos últimos anos: "Lidar com as redes de tráfico é como apertar um balão". O ar não desaparece. Pressiona-se num ponto e ele expande-se noutro.

Numa videoconferência com jornalistas portugueses, na representação da Comissão Europeia em Lisboa, a porta-voz da Frontex sustentava então que "os traficantes vão sempre procurar oportunidades de continuar o seu negócio".

Numa "perspectiva europeia global", dizia, "fechar uma fronteira não é suficiente. O que tem de ser feito é lidar com a causa dos problemas. Enquanto houver uma guerra na Síria, uma situação instável no Afeganistão, no Iraque, no Sudão do Sul, haverá migrantes e refugiados a chegar e haverá traficantes".

Mais de 180 mil migrantes e refugiados entraram na Europa desde o início do ano. Mais de um milhão tinha chegado em 2015. A maioria tinha optado pela rota grega, menos perigosa do que a que levou 170 mil a atravessar o Mediterrâneo rumo a Itália em 2014.

Perante uma crise de tamanha dimensão, em claro crescendo, o acordo com a Turquia ameaça ser apenas mais um aperto no balão.

© Renascença| Maio 2016



Créditos
Reportagem: Catarina Santos (texto e imagem)
Pós-produção e motion graphics: Rodrigo Machado
Coordenação: Maria João Cunha, Pedro Rios
Web development: Tânia Barreira
Web Design: Luís Alves
Vídeos de arquivo: Reuters, União Europeia, Nações Unidas,
Polícia Marítima Portuguesa
Músicas: Satellite Ensemble, Ars Sonor, Kai Engel

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