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Gémeos de bronze e ouro. O futuro do ciclismo vem a dobrar


Por Marília Freitas

Um tem o cabelo pintado de loiro, o outro está ruivo, a condizer com as medalhas. Não foi de propósito. Ivo e Rui mudaram de "look" antes de rumarem à Coreia do Sul, onde disputaram o Campeonato do Mundo de Ciclismo de Pista de Juniores. O loiro trouxe a medalha de ouro. O ruivo, uma de bronze. Eis os gémeos Oliveira, o orgulho da Rechousa, os mais jovens fenómenos do ciclismo português.

Somos obrigados a olhar para cima quando nos abrem a porta. Devem ter quase um metro e noventa. Ivo e Rui, 17 anos, estão sozinhos em casa dos pais, à espera das câmaras, da rádio. Mais nervosos do que se fossem para uma corrida.

À entrada, junto a um móvel, as duas grandes bicicletas. Até estão de férias, mas não param. Ontem foi dia de treinos e hoje são elas que descansam um pouco enquanto os donos se preparam para a entrevista. Não é inédito este corrupio mediático na Rechousa, mas também não é coisa que aconteça todos os dias.

Já sabem ao que vamos e por que lá vamos. Na mesa da sala, aprumada com uma toalha branca bordada, fazem questão de deixar expostas, prontas a filmar, as várias medalhas que acabaram de conquistar, no Europeu e no Mundial e de Ciclismo de Pista para Juniores. E uma camisola arco-íris, quase igual à de Rui Costa, campeão do mundo de ciclismo.


Vivem o maior momento das suas (ainda curtas) carreiras. Em Agosto, em Gwang Myeong, Coreia do Sul, os gémeos conquistaram três pódios.

Ivo tornou-se campeão do mundo de perseguição individual minutos depois de Rui conquistar a medalha de bronze numa outra categoria, o "scratch". Depois conquistaram o bronze na prova de "madison", como dupla.

No Europeu, em Portugal, apenas duas semanas antes, Ivo tinha também conquistado o ouro na perseguição e o bronze na disciplina de "omnium". Rui também repetiu na Coreia o resultado de Anadia: o bronze europeu em "scratch", depois de ter sido prata, em 2013.

Estas medalhas "até deviam estar num cofre", admitem, entre sorrisos.

Com três ciclistas na família, a casa começa a ser pequena para tantos troféus, medalhas e camisolas. Como os gémeos participam em simultâneo em algumas provas, muitos dos prémios são a dobrar.

Ciclismo de pista


Fonte: Federação Portuguesa de Ciclismo

Conquistas não lhes faltam – aliás, são os únicos responsáveis pelas duas mãos cheias de medalhas na história do ciclismo de pista português. São considerados "atletas de elite" pela Federação Portuguesa de Ciclismo (FPC).

O ciclismo vem impresso no DNA na família Oliveira. O pai chegou a correr, os tios também e o irmão mais velho, Hélder, é ciclista de estrada.

Hélder Oliveira é, aliás, presença habitual no pelotão da Volta a Portugal. E foi-o, mais uma vez, nesta última edição. Nessa noite do ouro e bronze para os irmãos, Hélder abdicou de parte do descanso obrigatório da Volta para vibrar com as provas dos gémeos.

Desde pequenos que Ivo e Rui, agora com 17 anos, acompanham as provas de Hélder. Foi então, a ver o irmão, um "ídolo" para ambos, que começou "o bichinho" do ciclismo.

Hélder é a inspiração dos gémeos. Foi com ele e com o pai que começaram a andar de bicicleta, "numas brincadeiras de domingo". Na altura, lembra Rui, não eram "uns ciclistas por aí além".

A partir dos 14 anos, "as coisas foram surgindo mais a sério". Subiram para "uma bicicleta sem travões", trocaram a estrada pela pista e começaram "a andar às voltas". Contudo, continuam a correr na estrada e sonham, um dia, participar os três irmãos, juntos, na Volta a Portugal.









Ivo e Rui moram no lugar da Rechousa, um pedaço de Vila Nova de Gaia, meio urbano, meio rural, encravado entre a Estrada Nacional 1 e a Auto-estrada do Norte (A1).

É impossível por aqui passar e não notar o orgulho que os gémeos trouxeram à terra. Ele está logo, ali, bem plasmado num grande cartaz sobre uma mercearia, a placa que diz "Rechousa" a compor o quadro.

Os velhos que descansam à porta do Atlético Clube de Rechousa quase adivinham ao que vai uma equipa de reportagem que ali atravessa aquela estrada nacional. "A mercearia é da família dos miúdos", dizem-nos. "É boa gente" – a garantia que porventura poderia fazer falta.

Entramos. Nas paredes, a encimar as frutas e os legumes verdes - as curgetes a 89 cêntimos – recortes de jornais com notícias de conquistas.

Arminda é a dona do estabelecimento. E a avó.


O esforço de que fala a avó Arminda é bem visível nos braços e joelhos dos netos. Marcas de quedas são mais do que habituais. Ao olhar para as medalhas, Ivo e Rui nem conseguem fazer contas às horas de treino que ali estão.

Os gémeos treinam juntos e, muitas vezes, correm nas mesmas provas. Mas não gostam de lhe chamar competição.









Quando um fica melhor classificado, não há ciúmes. "Às vezes, no treino, fazemos uns sprints para ver quem chega primeiro a determinado sítio, mas é só na brincadeira. Em prova damo-nos muito bem", conta Ivo.

"Conseguimos perceber pela cara do outro como é que ele está", acrescenta Rui.

Correm pelo Clube de Ciclismo da Bairrada, na categoria de juniores. Mas, por não serem ainda profissionais, Ivo e Rui não recebem salário e raras são as compensações financeiras pelas provas que vencem. Por isso – e porque, pela experiência do irmão, sabem que "está difícil correr em Portugal" – continuam a estudar.

Fazem uma média de três horas de treino diário. Umas vezes na estrada, outras em pista, no Velódromo de Sangalhos, em Anadia, a única pista coberta de ciclismo em Portugal.

Apesar de os custos de deslocação e dos estágios serem suportados pela Federação Portuguesa de Ciclismo e pela própria equipa, Ivo confessa: "era bom que existissem mais pistas, até para cativar mais gente". "Faltam apoios", lamenta Rui. E no Campeonato do Mundo aperceberam-se disso.

Quando chegou a Portugal a notícia da conquista do ouro e do bronze, o Governo português fez chegar uma nota de felicitações à agência Lusa. "Estes resultados são relevantes para o desporto português e motivo de alegria para o nosso país, tanto mais por acontecerem em disciplinas com pouca tradição no ciclismo nacional", fazia saber Emídio Guerreiro, secretário de Estado da Juventude e Desporto, que estendia ainda os cumprimentos a toda a comitiva nacional que se deslocou à Coreia do Sul.

Foto: Federação Portuguesa de Ciclismo

A recepção no aeroporto da Portela, à chegada do Mundial, onde os esperavam muitos familiares e amigos, deixou os gémeos surpreendidos e muito felizes. Mas eles sabem que os aplausos e os elogios não garantem ninguém.

Em Junho, acabaram o secundário. Querem entrar para a faculdade, "num curso de desporto".

Mas o próximo ano lectivo será de pausa nos estudos: conciliar o ciclismo com as aulas não tem sido fácil e este ano vão passar a correr com as elites de pista.

Querem continuar a competir na estrada. Não conseguem escolher qual das modalidades gostam mais. "Adoramos as duas", garante Ivo.

Quando chegaram da Coreia do Sul, o presidente da Federação Portuguesa de Ciclismo classificou-os de "esperanças olímpicas". Ir às Olimpíadas do Rio de Janeiro, em 2016, "era fantástico", mas Ivo e Rui têm consciência de que será difícil.

Mais realista é a hipótese de participarem nos Jogos Olímpicos de Tóquio, em 2020. Mas sonho a sério, confessam, é fazer do ciclismo o modo de vida.



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