Papa Francisco em Portugal

100 vezes “todos” e outras mensagens de amor e alegria.
As 15 mil palavras de Francisco à lupa


10/08/2023 - Salomé Esteves, Rodrigo Machado (ilustração)

Onze discursos, 15 mil palavras e 72 perguntas. O que se pode ler nas expressões, nas muitas questões e no sentido maior do que Francisco quis dizer e deixar em Portugal? Repetindo “todos, todos, todos”, o Papa sublinhou Jesus, amor e alegria. Através de sete grandes temas, propôs desafios, reflexões e silêncios aos jovens, na Jornada Mundial da Juventude, em Lisboa.

Durante os cinco dias em que esteve em Portugal, em 104 horas de viagem, o Papa proferiu 11 discursos. Os primeiros, para poucas centenas de pessoas; dois, para mais de um milhão.

Entre palavras preferidas e trindades inesperadas, há uma expressão que destaca e que teve maior repercussão: “todos, todos, todos”. E que outras mensagens deixou Francisco nas suas intervenções? O que pode entender-se das suas palavras ao olhar para os discursos em Portugal como um todo?

Das 11 intervenções, duas foram homilias, nas vésperas e na "missa do Envio", e uma foi saudação, em Cascais. No total, o Papa proferiu mais de 15 mil palavras, improvisando boa parte das suas alocuções.

Alongou-se particularmente na homilia das vésperas com os membros do clero, no mosteiro dos Jerónimos, no dia da sua chegada a Lisboa, a 2 de agosto. Em cerca de três mil palavras disse aos clérigos - entre bispos, sacerdotes, e leigos -, que a “Igreja deve acolher e escutar vítimas de abusos” e lembrou que o clericalismo “arruina”. Já na Capelinha das Aparições, em Fátima, não seguiu o guião previamente distribuído aos jornalistas, a guerra na Ucrânia acabou por ser uma referência posterior, via Twitter, e dirigiu 671 palavras aos 200 mil fiéis no Santuário.

Mas a dimensão de um discurso diz pouco sobre o seu conteúdo. Por isso, a Renascença olhou para o sentido das expressões do Papa Francisco, para os temas dos discursos, para as frases e as palavras-chave e para o modo como as intervenções se interligam e complementam.

Apesar das contas feitas, todas as palavras e expressões do Papa são analisadas no seu contexto. Cada mensagem é construída a pensar no público a quem vai ser dita. E cada uma delas tem um propósito. Ao longo da visita de Francisco a Portugal, a Renascença analisou as suas intervenções e fez um balanço geral, porque, finda a Jornada, o país "nunca viu nada assim".

"Todos, todos, todos"

Em entrevista à Renascença, D. Américo Aguiar arriscou que a palavra mais dita por Francisco tinha sido “todos”, porque a sua mensagem foi clara. Feitas as contas, da lista de palavras frequentes, a mais repetida foi “Jesus”, “todos” vem logo de seguida.

No sentido de comunidade, de conjunto e de pessoas, “todos” é utilizada 102 vezes nos discursos do Papa.

Este mote aparece em três discursos, num total de sete vezes, reforçando a ideia de que os momentos partilhados são de todos, a Igreja é "aberta a todos", Jesus e Maria acolhem todos e todos são pecadores, incluindo o próprio Papa, que diz "somos todos pecadores".

O primeiro momento em que há a insistência nesta palavra é na homilia das Vésperas, no Mosteiro dos Jerónimos. É perante a própria Igreja que Francisco insiste na ideia de abertura.

Nesta homilia, o Papa Francisco diz 23 vezes a palavra “todos”, não só na forma “todos, todos, todos” mas também em variantes como “todos juntos”, “vinde todos” ou simplesmente “Todos”.

Na cerimónia de acolhimento, cujo discurso deu visibilidade a este mote, a palavra “todos” ecoa 26 vezes. Aqui, Francisco não apenas diz as palavras, como pede que a multidão as repita, cada um na sua própria língua.

Na recitação do terço, em Fátima, com jovens doentes que não puderam viajar até Lisboa para participar na Jornada, regressa à expressão. Nesta mensagem, é Maria, a mãe, que tem o coração aberto para todos, “sem excluir nenhum”.

Todos estes “todos” acolhem os “marginalizados”, “excluídos” e “desgraçados”, segundo as palavras do Papa em Fátima. Com a repetição, reforça a mensagem de que “todos” são iguais na sua relação com Jesus: “somos todos pecadores, mas somos chamados assim como somos”. Ao optar pela primeira pessoa do plural, o Papa assume-se pecador, como todos os presentes.

E acrescenta, que, todos ali, na Colina do Encontro, no Parque Eduardo VII, foram chamados “com os problemas que temos, com as limitações que temos, com a nossa alegria transbordante”.

Ao recorrer a uma palavra de todos os dias e à sua constante repetição, Francisco simplifica e dissemina uma mensagem complexa de encorajamento à inclusão e ao diálogo. Um encorajamento reforçado quando pede à multidão que repita consigo as palavras: “todos, todos, todos”.

A mensagem completa-se com uso de palavras opostas. Porque “há espaço para todos”, “ninguém sobra” e “ninguém está a mais”.

"Por favor, não transformem a Igreja numa alfândega: aqui entram os justos, os que estão em ordem, os que estão bem casados… todos os outros lá fora. Não. A Igreja não é isto. Justos e pecadores, bons e maus, todos, todos, todos. Será depois o Senhor a ajudar-nos a resolver este assunto. Mas todos.".

Homilia das Vésperas, Mosteiro dos Jerónimos, 2 de agosto



"Na Igreja, ninguém é de sobra. Nenhum está a mais. Há espaço para todos. Assim como somos. Todos. Jesus di-lo claramente. Quando manda os apóstolos chamar para o banquete daquele senhor que o preparara, diz: «Ide e trazei todos», jovens e idosos, sãos, doentes, justos e pecadores. Todos, todos, todos! Na Igreja, há lugar para todos."

Cerimónia de Acolhimento, Parque Eduardo VII, 3 de agosto



"A Igreja não tem portas, para que todos possam entrar. E aqui podemos insistir também no facto que todos podem entrar, porque esta é a casa da Mãe, e uma mãe tem sempre o coração aberto para todos os seus filhos, todos, todos, todos, sem excluir ninguém."

Recitação do Terço, Fátima, 5 de agosto

“Agora faço-vos uma pergunta", Ou antes, mais de 70

“Nunca vos canseis de perguntar... Perguntar é bom”, disse o Papa na cerimónia de abertura. Ao longo de todas as intervenções em Portugal, Francisco pôs em prática as suas próprias palavras e colocou às várias audiências um total de 72 perguntas.

O discurso com mais questões foi o da vigília. Aqui, Francisco colocou 15 questões ao milhão e meio de pessoas que preencheram o Parque Tejo. Em Cascais, na Scholas Occurrentes, o Papa fez 14 perguntas.

Mas as perguntas de Francisco não são estanques nem fechadas. Há paralelos entre elas. Algumas vezes, dentro do próprio discurso: “Por trás dum golo, o que temos? Muito treino. Por trás do resultado, o que há? Muito treino”. Outras vezes, as perguntas ecoam de discurso para discurso.

Na vigília, o Papa perguntava “às vezes cansais-vos?”. No dia anterior, na via-sacra, questionava “choro eu de vez em quando?”. Em momentos diferentes, são questões que convidam à introspeção e à autorreflexão sobre o desânimo.

Mas o Papa não indaga nem leva a indagar apenas sobre o mundo interior, mas também sobre questões maiores.

"O oceano lembra-nos que a existência humana é chamada a viver de harmonia com um ambiente maior do que nós; este deve ser guardado; deve ser guardado com cuidado, tendo em conta as gerações mais novas. Como podemos dizer que acreditamos nos jovens, se não lhes dermos um espaço sadio para construir o seu futuro?"

Discurso com autoridades, representantes da sociedade civil, do Governo e do corpo diplomático; Centro Cultural de Belém, 2 de agosto

Em Belém, no seu primeiro dia em Portugal, perguntou às autoridades, à sociedade e ao corpo diplomático: “para onde navegas, se não ofereces percursos de paz, vias inovadoras para acabar com a guerra na Ucrânia e com tantos conflitos que ensanguentam o mundo?”.

Enquanto as primeiras convidam um processo de introspeção, algumas das questões colocadas nos primeiros dois discursos, aos membros do Governo da Igreja, apelam à reflexão e ação política sobre temas e crises da atualidade.

Francisco impele várias vezes à reflexão, ao questionamento e ao trabalho conjunto entre quem governa, quem ensina e quem segue os caminhos da fé. Não só nos primeiros dois discursos, mas também na intervenção na Universidade Católica, referindo-se ao Pacto Educativo Global, que tem proposto.

Já em Cascais, colocou uma questão ainda mais aberta e retórica: “E como começou a história? Como se transformou o caos em Cosmos?”.

Discursos não têm temas, dias têm temas

Pouco depois de ter aterrado em Lisboa, quando falou no Centro Cultural de Belém e no Mosteiro dos Jerónimos, os discursos centraram-se nos temas da atualidade.

Francisco nomeou várias inquietações enfrentadas pelos jovens e em sociedade. Começou pelos conflitos armados, falando particularmente da guerra na Ucrânia . Passou aos desafios sociais, como a queda da natalidade , a habitação e o aumento do custo de vida. Embarcou nas questões políticas dos “populismos e conspirações”, "crises climáticas e migratórias”, o “empobrecimento […] da educação, a saúde, o estado social”, protestos. Lembrou também o “descarte dos idosos” e a eutanásia.

Horas depois, na homilia das vésperas, Francisco falou do “progressivo afastamento da prática da fé”, de “escândalos” e do “sofrimento das vítimas”.

Para encorajar ambas as audiências a agir face a estes desafios, o Papa recorre às metáforas de “lançar as redes” (23 vezes) e de “fazer-se ao largo” (dez vezes). E é através delas que lança também a temática do mar nos dois discursos.

Palavras como “barco”, “margem”, “tempestade”, “mar”, “água”, “oceano” ou “navegar” estão muito presentes nas primeiras duas intervenções, tanto nas palavras do próprio Papa, como em citações de autores portugueses.

"Como os jovens que aqui vêm de todo o mundo para desafiar as ondas gigantes, façamo-nos ao largo também nós sem medo. Sim! Não temamos enfrentar o mar alto, porque no meio da tempestade dos ventos contrários, Jesus vem ao nosso encontro e diz: «Coragem, sou Eu, não temais!» (Mt 14, 27). Quantas vezes já tivemos esta experiência? Cada qual se interpele dentro de si mesmo. E se não a tivemos é porque algo falhou durante a tempestade."

Homilia das Vésperas, Mosteiro dos Jerónimos, 2 de agosto

Além de alusões ao mar, o Papa Francisco também preencheu estes dois discursos com referências a Lisboa e Portugal, tanto a locais específicos como o Cabo da Roca ou a Mouraria, como em adjetivos, como “universal”, “multiétnico”, “multicultural” e “cosmopolita”.

Os primeiros dois discursos são diferentes dos demais, não só porque são os únicos que não se dirigem ao público da Jornada, aos jovens, mas por também serem os que mais referem temas da atualidade do mundo e da Europa.

A homilia das vésperas é também o único discurso em que o Papa Francisco recorre a termos particulares da Igreja, como o clericalismo, o proselitismo e o secularismo.

O clericalismo, que Francisco afasta, é a ideia de que a Igreja deve influenciar a vida política social e económica de uma sociedade. Já o secularismo defende a separação entre as instituições governamentais e religiosas. O proselitismo define-se pelo esforço em converter a uma religião ou ideologia.

No dia 3 de agosto, o segundo da visita do Papa Francisco a Portugal, são introduzidos dois novos conceitos, abandonando-se o tom do primeiro dia. Na Católica, na Scholas Occurrentes e na cerimónia de acolhimento são introduzidos os temas da inquietude, na forma da busca pela sabedoria, e da identidade, tanto individual como em comunidade. Apesar de diferentes, ambas apelam à reflexão.

Seguindo o princípio de que “perguntar é bom”, Francisco começa o dia, na Universidade Católica, a incentivar os jovens a “procurar e arriscar”. O Papa usa palavras como “iniciativa”, “busca”, “inquietos”, “pensar”, “sonhos” e “ideologia” para apelar ao olhar sobre Portugal e o mundo, sobre o “irmão”, sempre com vista sobre a “justiça”.

Apesar de acontecer pouco depois, a saudação do Papa Francisco na Scholas Occurrentes em Cascais não segue nenhum dos temas. Mas esta intervenção também não tem a mesma estrutura do que as restantes. É uma conversa, informal e aberta, em formato de pergunta-resposta.

Já durante a tarde, na cerimónia de acolhimento, o primeiro proferido diante de centenas de milhares de pessoas (meio milhão, segundo contas do Vaticano), é para “dentro” que o Papa quer que a audiência olhe. Aqui, Francisco repete palavras que descrevem a identidade e a personalidade “nome”, “rosto”, “coração”, “comunidade” e várias conjugações do verbo “ser”.

No retumbante discurso de “todos, todos, todos”, Francisco repetiu variações de uma outra expressão: “Jesus chamou-me pelo meu nome”.

"Tu foste chamado pelo teu nome tu… além, tu… ali, tu… aqui, e também eu, todos nós fomos chamados pelo próprio nome. Não fomos chamados automaticamente, fomos chamados pelo nome. Pensemos nisto: Jesus chamou-me pelo meu nome. São palavras escritas no coração; pensemos, pois, que estão escritas dentro de cada um de nós, nos nossos corações, e formam uma espécie de título para a tua vida, o sentido do que és, o sentido daquilo que cada um é. Foste chamado pelo teu nome. Nenhum de nós é cristão por acaso, todos fomos chamados pelo nosso nome."

Cerimónia de Acolhimento, Parque Eduardo VII, 3 de agosto

Além de ambas as expressões serem repetidas em formulações diferentes, a estrutura do próprio discurso é circular, o que não acontece nas intervenções anteriores.

Primeiro, o Papa deixa claro que cada um dos presentes foi ali chamado como “uma obra-prima única, original”. Depois, introduz a ideia de que “há lugar para todos" e, de seguida, que “perguntar é bom”. E fecha o discurso lembrando que Deus nos ama "como somos", "não como gostaríamos de ser".

No dia seguinte, o tema da identidade e da comunidade permanece. Entra também o tema da caridade, no discurso no bairro da Serafina, e da vida de Jesus, na via-sacra.

De manhã, o Papa Francisco introduz a ideia de que a “caridade” é o “amor” no “concreto”. Ela traduz-se em termos como “ação”, “ajudar”, “bem”, “associação” e “compaixão”. Nas palavras de Francisco, é indissociável de “cada um”, do “conjunto” e da “comunidade”, porque ajudar implica "estar próximo dos mais frágeis”.

Na intervenção da via-sacra o tema é este mesmo, também. Mas o Papa Francisco adapta o caminho de Jesus a “cada um de nós”. Enquanto na cerimónia de acolhimento a expressão recorrente é “Jesus chama pelo meu nome”, aqui é “Jesus caminha por mim”, assumindo várias formas.

Neste discurso, há uma repetição concentrada da palavra “amor”. Esta é uma das mais frequentes ao longo da semana e aqui surge nove das 44 vezes. “Ninguém tem maior amor de quem dá a vida”, diz o Papa, e a configuração desse sentimento na via-sacra é a cruz.

"Lembrais-vos? O Verbo fez-Se homem e caminhou entre nós. E fá-lo por amor; faz isso por amor. E a Cruz que acompanha cada Jornada Mundial da Juventude é o ícone, é a figura deste caminho. A Cruz é o sentido maior do maior amor, daquele amor com que Jesus quer abraçar a nossa vida. A nossa? Sim! A tua vida, a daquele, a daqueloutro, a de cada um de nós. Jesus caminha por mim. Temos de o dizer a todos. Jesus empreende este caminho por mim, para dar a sua vida por mim. E ninguém tem maior amor de quem dá vida pelos seus amigos, daquele que dá a vida pelos outros. Não vos esqueçais disto: ninguém tem maior amor de quem dá a vida."

Via-Sacra, Parque Eduardo VII, 4 de agosto

Em Fátima, o tema central é a vida de Maria, não só no seu papel de “mãe”, mas também de “peregrina” que “acolhe” e é “solícita”. Este discurso, na recitação do terço com os jovens, entra em paralelo com o da via-sacra. Maria “acompanha sempre”, como Jesus acompanhou no dia anterior.

O paralelismo entre os discursos transparece que Jesus herda da mãe a naturalidade de acompanhar. Maria é peregrina. Jesus caminha.

Também neste momento, Francisco apela à reflexão, usando o exemplo de Maria para levar “cada um” a questionar o que “preocupa”, o que “entristece” e o que merece “atenção”.

Maria regressa ao discurso dessa noite, na vigília com os jovens, no Parque Tejo. Regressa também o tema da inquietude da sabedoria. Aqui, o Papa Francisco fala de “diálogo”, de “treino” e de “vocação”, enquanto, lembrando a vida de Jesus e a Via-Sacra, discursa sobre “caminhar” e de “levantar-se”.

Na conjugação dos dois temas, a peregrinação, pelo ato de caminhar, é descrita como uma aprendizagem e uma procura de conhecimento.

Outra das palavras frequentes de Francisco, “alegria”, repete-se neste discurso, 20 das 39 vezes que vai surgindo ao longo dos dias.

Nos dois discursos do último dia, a homilia da "missa do Envio" e a saudação aos voluntários, culminam expressões dos temas específicos das intervenções dos dias anteriores.

Mas além destes temas, há um conjunto de outras palavras frequentes. Depois de “Jesus” e de “todos”, o Papa também falou bastante, e por ordem, de "amor" e de "alegria", já referidas, mas também, de "jovens", de "futuro", de "esperança", de "vontade", de "coragem", de "paz" e de "desafio".

Na homilia da "missa do Envio", convergem as reflexões sobre as palavras de Jesus e o seu eco na identidade de cada um. Regressam as referências à via-sacra e ao caminho, do dia 4 de agosto, lembrando os conceitos presentes do "amor", "alegria, "jovens" e "futuro".

Mas é o "medo" que aqui ganha destaque. Esta palavra que é usada 28 vezes ao longo de todos os discursos. Não num sentido negro ou triste, mas sempre em apologia da coragem. É com ele, refletindo na mensagem não só de Jesus, mas também de João Paulo II, que Francisco fecha a homilia.

Na Bíblia, as últimas palavras de Jesus aos discípulos são “Não tenhais medo”. O Papa insiste nesta mensagem também e, nesta homilia, age como ponte: “já não sou eu, mas é o próprio Jesus que vos fixa agora”. Francisco pede às suas audiências coragem para explorar o mundo interior, para enveredar no caminho e para enfrentar desafios, quaisquer que eles sejam.

Francisco diz a expressão “Não tenhais medo” um total de 13 vezes ao longo das 11 intervenções, acrescentando a citação direta das palavras de Jesus aos discípulos, como citada na Bíblia.

"Agora, durante uns momentos, façamos silêncio e cada um de nós pense no próprio sofrimento, pense na própria ansiedade, pense nas próprias misérias. Não tenhais medo, pensai nisso e pensai também no desejo de que a alma volte a sorrir."

Via-Sacra, Parque Eduardo VII, 4 de agosto



"Assim, com este dom gratuito que temos - o amor de Jesus - e com a vontade de caminhar, caminhemos na esperança, olhemos para as nossas raízes e continuemos para diante, sem medo. Não tenhais medo."

Vigília, Parque Tejo, 5 de agosto



"Ele vem procurar-nos nas nossas solidões, nas nossas crises, para nos ajudar a recomeçar. A espiritualidade do recomeço. Não tenhais medo. A vida é assim: cair e recomeçar, aborrecer-se e recobrar a alegria."

Homilia das Vésperas, Mosteiro dos Jerónimos, 2 de agosto

Já no discurso aos voluntários, o último da Jornada, convergem os temas relacionados com Jesus e Maria, a caridade e o serviço, a identidade individual e da comunidade, e, fazendo um paralelo com o primeiro dia, Portugal e o mar.

Três “todos”, três estaleiros, mais de três trindades

Os 11 discursos do Papa Francisco em Portugal foram marcados por vários grupos de três expressões. “Todos, todos, todos” a que mais ecoa. Esta trindade de “todos” surge em três discursos.

No primeiro discurso, no CCB, Francisco imagina “três estaleiros de construção da esperança”: o ambiente, o futuro e a fraternidade.

Mais tarde nesse dia, na homilia das Vésperas, no Mosteiro dos Jerónimos, apresenta três opções para levar o Evangelho às pessoas e abraçar a missão: fazer-se ao largo, inspirada na temática marítima, “levar juntos por diante a pastoral” e “tornar-se pescadores de homens”.

No dia 4, no Centro Paroquial da Serafina, o Papa fez questão de destacar três aspetos dos testemunhos: “fazer o bem”, “agir no concreto” e “estar perto dos mais frágeis”.

Por fim, na homilia da missa de encerramento, Francisco propõe responder com três verbos à pergunta: “Que levamos connosco ao regressar à vida quotidiana?”. A resposta: “Resplandecer”, “ouvir” e “não temer”.

Mas não só de palavras se fizeram as trindades do Papa. Francisco pede momentos de silêncio em três das suas intervenções: na via-sacra, na vigília e na "missa do Envio", ainda que mais curto.

Dos exemplos e das palavras dos portugueses

Os primeiros dois discursos do Papa Francisco em Portugal são marcados por referências e citações de autores portugueses, mas há outras de assinalar nas suas intervenções.

Francisco começa por citar os Lusíadas, de Camões. O fado “Cheira bem, cheira a Lisboa” escrito por César Oliveira e popularizado por Amália Rodrigues, em 1972, é a segunda referência.

Depois, cita Sophia de Mello Breyner Andersen, Fernando Pessoa e José Saramago.

Mais tarde, na homilia das vésperas, o Papa opta por referências religiosas: lembra Nossa Senhora de Fátima e os exemplos de Padre António Vieira e de São João de Brito.

No dia seguinte, na Universidade Católica, volta a citar Pessoa e Sophia e introduz uma referência a Almada Negreiros.

Como exemplo de caridade, tema central do discurso no Centro Paroquial da Serafina, o Papa Francisco fala de João Cidade, apelidado de João de Deus.


Metodologia

Foram considerados os discursos e homilias do Papa Francisco nas versões publicadas no site do Vaticano, que revêm e validam os improvisos do Papa sobre os discursos distribuídos previamente aos jornalistas.

Os discursos foram analisados individualmente e como um todo.

Primeiramente, foi feito um levantamento dos temas. Em cada texto, eram evidentes termos frequentes relacionados com uma temática específica. Nesta análise, ficou claro que os temas não se cingiam a um texto só, mas a um dia, e que voltariam a ser mencionados nas intervenções finais.

Identificaram-se sete temas nos discursos do Papa Francisco em Portugal: a atualidade, o mar, Lisboa e Portugal, sabedoria e conhecimento, identidade, caridade, e Jesus e Maria. Além destes, listou-se uma coleção de palavras recorrentemente utilizadas pelo Papa ao longo de todos os textos e personalidades as portuguesas nomeadas.

A identificação das palavras frequentes e referentes aos temas foi feita apenas nas palavras proferidas pelo Papa Francisco. Excluem-se, portanto, citações e participações e outros intervenientes.

Veja também